Ecologias do antropoceno: a humanidade sob o ponto de vista dos invisíveis
Rico Machado
A que ordem de política está submetido o ser humano quando diante do ponto de vista dos seres invisíveis? Antes de responder à questão, caberia ainda outra: de que invisíveis estamos falando, dos simbólicos ou dos concretos? Outra ainda: que diriam os humanos-outros sobre nossa humanidade e toda a sorte infortúnios dos quais somos protagonistas e que nos levaram ao antropoceno? Qual uma boneca russa quase infinita, poderíamos assim retroceder, regressivamente, até que nos tornássemos, nós próprios, invisíveis diante da magnitude do universo.
Nesta terça-feira, 17 de maio, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, recebe a professora e pesquisadora Anna Tsing, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Ela fará a conferência Atlas Selvagem: novas ecologias no antropoceno, que integra a programação do Decálogo do fim do mundo, evento que se propõe a discutir questões urgentes da vida contemporânea em um planeta ferido.
O evento terá transmissão on-line e poderá ser acompanhado pelas plataformas digitais do IHU, tanto pelo sítio, quanto pelo YouTube e Facebook.
Habitar a complexidade do mundo
Os trabalhos de Anna Tsing são conhecidos por deslocar nosso ponto de atenção do antropocentrismo e nos fazer pensar sobre a complexidade da banal a ao mesmo tempo profunda tarefa de habitar a complexidade do mundo vital. No texto Margens Indomáveis: cogumelos como espécies companheiras, Tsing vai falar sobre a interdependência entre as espécies, observando, particularmente os fungos.
“A maioria das espécies dos dois lados da linha, incluindo os humanos, vivem em complexas relações de dependência e interdependência. Prestar atenção a essa diversidade pode ser o início da apreciação de um modo interespecífico de ser das espécies”, sustenta em seu artigo Margens indomáveis.
No fundo, o que está em jogo é como viver em um planeta no qual todas as relações, subtraídas as devidas proporções, são políticas em última medida. Isso nos ajuda a pensar sobre a fragilidade e falsidade da compreensão de que a espécie humana é autônoma. A vida humana na terra, em sua simbiose com toda a sorte de alimentos que nos levaram ao atual estágio evolutivo, somente é como a conhecemos em função da contribuição das espécies companheiras para a biodiversidade terrestre.
“Na longa história da Terra, os fungos foram responsáveis por enriquecer os solos e assim permitir que as plantas evoluíssem. Há árvores capazes de crescer em solos pobres por causa dos fungos que trazem fósforo, magnésio, cálcio e outros nutrientes às suas raízes”, frisa no mesmo estudo.
Do fim do mundo, à ressurgência
Pensar sobre o fim do mundo – ao menos enquanto ele não chega – é uma tarefa a que todas as civilizações, de diferentes modos, dedicaram-se. Não haveria porquê nos eximirmos de incontornável paradoxo, sobretudo diante do colapso climático empreendido pela espécie humana do qual somos algozes e testemunhas, o antropoceno.
Mas se tudo tem um fim, certo também é que haverá um novo começo, ainda que não necessariamente estejamos dentro dele. Nesse sentido, Tsing nos inspira a pensar sobre o conceito de ressurgência, no qual está “o trabalho de muitos organismos que, negociando através de diferenças, forjam assembleias de habitabilidade multiespécies em meio às perturbações”, defendida em seu livro Viver nas ruínas: paisagens multiespécies no antropoceno (Brasília: Editora IEB).
De algum modo, Tsing reencontra Benjamin arrastado pelo anjo da história que joga as ruínas do passado diante nossos pés e nos desafia a habitar as ruínas. Pois são, justamente, nestas ruínas que a ressurgência ganha força, afinal, trata-se, antes de tudo, de “dançar sob os escombros” e “lançar nossa fúria contra o senso comum; alcançar o que eles dizem que não podemos ter: o comum”, sublinha Tsing.
Sobre o evento – Decálogo sobre o fim do mundo
A proposta do Ciclo de Estudos Decálogo sobre o fim do mundo é discutir, de modo transdisciplinar, os desafios que o novo regime climático do planeta impõe às nossas formas de pensar, conceber e habitar o mundo. Dividido em dez conferências, a programação do ciclo retoma questões políticas, filosóficas e teológicas sobre a vida no antropoceno, considerando o ocaso e, em certo sentido, o fim/esgotamento da Modernidade.
No centro da crise, o sentido e a autorreferencialidade do ser humano em um mundo em que cada vez mais somos governados pelo que nos habituamos chamar de natureza. Trata-se, portanto, de um debate que leva em conta o deslocamento da política para a dimensão cosmopolítica. Repensar a condição humana diante do novo regime climático e a ameaça da sexta extinção em massa, justamente da espécie humana, pode ser o ponto inicial da discussão aqui proposta.