O matriarcado e a caldeirada mito-psicanalítica de Freud
rico machado
Em linhas muito sintéticas, o argumento central de Totem e Tabu (Freud – São Paulo: Cia da Letras, 2012), reside na ideia de que, morto o pai primevo, cessam-se as relações incestuosas e os machos do bando primitivo passam a reverenciarem sua memória como totem, que representa a observância das leis sociais, ou seja, os tabus.
Está instituído, então, o patriarcado.
Este tipo de organização social, cujas estruturas do parentesco orbitam em torno do “pai”, é o que vai organizar, em grande medida, a ontologia ocidental com todos seus desdobramentos políticos, sociais e, sobretudo, epistemológicos.
Para finalizar a introdução deste texto, vale ressaltar que Oswald de Andrade, em A crise da filosofia messiânica, vai pensar a divisão das sociedades em messiânicas, orientadas pelo patriarcado; e antropofágicas, regidas pelo matriarcado.
Matriarcado, Antropofagia e Psicanálise
É dentro deste universo que Sérgio de Castro escreve seu livro Matriarcado, antropofagia e psicanálise”. Retomando o manifesto antropófago, o autor propõe que antropofagia seria a metafísica capaz de transformar o tabu em totem, tal como versa um dos aforismos do famoso texto de 1928.
Essa operação consistiria na transformação de laços sociais patriarcais e monoteístas em matriarcais e politeístas. Este último conceito Oswald toma de Bachofen, que estudou povos pré-romanos, especialmente comunidades Sabinas e Etruscos, que habitavam onde hoje é a Itália.
A diferença central, em termos sociais, é que os modos de vida desses grupos visavam sublimar as pulsões violentas e a libido. Isto, além de ser o inverso do recalque e da repressão ocidentais, instaura afetos sociais ligados ao feminino.
Conceitos fundantes da psicanálise
A obra avança por debates muito ricos em torno de conceitos fundantes da psicanálise de Freud e Lacan.
Faz ainda um passeio genealógico por autores que fundamentam as ideias debatidas por Oswald no manifesto e em sua tese sobre a filosofia messiânica, que demarca a antropofagia, mais que tudo, como um desejo filosófico.
Por fim Sérgio de Castro debate a religião em diálogo com a psicanálise e Oswald, cuja crítica às religiões se distanciava do pai da psicanálise e de Karl Marx.
A religiosidade para o modernista funcionava como uma espécie de paganismo metafísico, que seria capaz de transformar o tabu em totem. Não se tratava de um ateísmo em favor de um iluminismo nunca realizado, posição defendida por autores como Marx.
A obra, apesar de não ser recente, é uma ótima lufada de ar no debate antropofágico, não raras vezes maltratado. Oferece boas chaves de leitura para compreender o legado da antropofagia, sugerindo outras formas de pensarmos o ocidente e a psicanálise.
Traz uma imaginação conceitual que supera o círculo de giz dos textos míticos freudianos que explicam e sustentam simbolicamente o patriarcado.
São eles: Totem e tabu, Complexo de Édipo e Moisés e o monoteísmo.
Sinopse
Matriarcado, antropofagia e psicanálise (Belo Horizonte: Scriptum, 2010).
O livro de Sérgio de Castro propõe, orientado pela interlocução que o próprio Oswald Andrade manteve, ao longo de sua vida, com a psicanálise, uma leitura retroativa de sua obra a partir de ensaios tardios escritos pelo autor e nem sempre devidamente valorizads pela crítica.