antropofagia
Antropofagia

A crise da filosofia messiânica

Oswald de Andrade

Tese para concurso da Cadeira de Filosofia da Faculdade de Filosofia. Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1950.


A ANTROPOFAGIA ritual é assinalada por Homero entre os gregos e segundo a documentação do escritor argentino Blanco Vilíalta, foi encontrada na América entre os povos que haviam atingido uma elevada cuhura — Asteca, Maias, Incas. Na ex-pressão de Colombo, comiam tos hombres. Não o faziam po-rém, por gula ou por fome. Tratavá-se de um rito que, encon-trado também nas outras partes do globo, dá a iaéia de. ex-primir um modo de pensar, uma visão do mundo, que carac-terizou certa fase primitiva de toda a humanidade.

Considerada assim, como weüanschauung, mal se presta à interpretação materialista e imoral que dela fizeram os je-suítas e colonizadores. Antes pertence como ato religioso ao rico mundo espiritual do homem primitivo. Contrapõe-se em seu sentido harmônico e comunial, ao canibalismo que vem a ser a antropofagia por gula e também a antropofagia por fo-me, conhecida através da crônica das cidades sitiadas e dos viajantes perdidos.

A operação metafísica que se liga ao rito antropofágico é a da transformação do tabu em totem. Do valor oposto, ao valor favorável. A vida é devoração pura. Nesse devorar que ameaça a cada minuto a existência humana, cabe ao homem totemizar o tabu. Que é o tabu senão o intocável, o limite? En-quanto na sua escala axiológica fundamental, o homem do Ocidente elevou as categorias do seu conhecimento até Deus, supremo bem, o primitivo instituiu a sua escala de valores até Deus, supremo mal. Há nisso uma radical oposição de con-ceitos que dá uma radical oposição de conduta.

E tudo se prende à existência de dois hemisférios cultu-rais que dividiram a história em Matriarcado e Patriarcado. Aquele é o mundo do homem primitivo. .Este o do civilizado. Aquele produziu uma cultura antropofágica, este uma cultura messiânica.

Chegamos ao momento das grandes interrogações. Se este século, em sua primeira metade, foi um campo de experimen-tação da História, foi também um laboratório de hipóteses e de pesquisas. Devassou no espaço e no tempo, os segredos do universo atômico e do universo astral, percorreu as idades da crosta terrestre, classificou a evolução dos seres e das cul-turas, restaurou desde as origens o pensamento humano na sua autenticidade, libertando-o das deformações interessadas que o desviavam para lutas confessionais. Fez mais. Humani-zou a Filosofia. Soren Kierkegaard já havia conduzido para o subjetivo e para o cotidiano a emoção de sua dúvida. Karl Marx reduzira à contabilidade os vôos da metafísica alemã. E Friedrich Nietzsche afirmou que o habitai dos grandes pro-blemas é a rua. Na rua, na contabilidade e no dia útil, nestà metade de século, o homem trabalhou sobre o homem. E hoje, pode-se restaurar um velho brocardo da Idade Média: — Philo-sophia ancila theologiae. Apenas o último termo mudou, intro-duzindo-se no vocabulário clássico, um barbarismo de boa hora — Philosophia ancila sotiologiae[1].

A Filosofia nunca foi uma disciplina autônoma. Ou a fa-vor da vida ou contra ela, iludindo os homens ou neles acredi-tando, a Filosofia dependeu sempre das condições históricas e sociais em que se processou.

Eis a primeira afirmação da presente tese que coincide não somente com Karl Marx, mas com Kiekegaard e Friedrich Nietzsche.

Outro pensador, o amargo Schopenhauer, trouxe para o debate intelectual de há cem anos, um elemento que fora lon-gamente dissimulado sob as roupagens da Religião e da £tica. Ele soube fixar o papel da vontade como elemento primordial da vida e, sem dúvida, foi dai que derivou o universo abscon-so de Sigmund Freud. Ê um elemento que está hoje profunda e definitivamente ligado à filosofia.

Há uma cronologia das idéias que se sobrepõe à crono-logia das datas. O decálogo daria Kant, Maquiavel, Loiola e Lênin.

Essa linhagem é, na filosofia dos cimos, a linhagem que afirma que os fins justificam os meios, a que exige de seus adeptos, forçados ou não, a obediência inerte, a que, na exis-tência dialética do espirito, estagna no segundo termo a que constitui a negação do próprio ser humano. Forque enfim, é a seguinte a formulação essencial do homem como problema e como realidade:

1.° termo: tese — o homem natural

2.° termo: antítese — o homem civilizado

3.° termo: síntese — o homem natural tecnizado.

Vivemos em estado de negatividade, eis o real. Vivemos no segundo termo dialético da nossa equação fundamental.

O exegeta de Hegel, Kojeve, afirma que o homem é ini-cialmente “natureza inata, ser natural de caracteres fixos, ani-mal especificamente determinado que vive no seio da natureza, tendo aí seu lugar natural.” Eis o primeiro termo.

Comentando Kojeve, um pensador católioo, R. Vancourt, elucida o segundo termo: “O homem não é homem senão pela sua negatividade, isto é, no quanto ele nega esse dado, no quan-to ele se nega a si mesmo como dado, enquanto, como nature-za e liberdade, ele constitui precisamente essa negação do da-do e assim se manifesta pelo trabalha e no trabalho”. Eis a an-títese.

Kojeve, vindo ao segundo termo, também afirma: “O ho-mem não existe por si, senão na medida onde implica em seu ser, na sua existência e na sua aparição, o elemento constitutivo da negatividade”.

Hans Keken, que não é só um mestre do Direito, mas um dos atuais representantes da Filosofia da Cultura, já esgotou o fenômeno do jusnaturalismo. Com ele, vemos imediatamente que a idéia de justiça, em todas as sociedades humanas, apa-rece como “natural”. Ê coisa natural o direito justo. E sendo justo passa a ser legal.

No mundo do homem primitivo que foi o Matriarcado, a sociedade não se dividia ainda em classes. O Matriarcado as-sentava sobre uma tríplice base: o filho de direito materno, a propriedade comum ao solo, o Estado sem classes, ou seja, a ausência de Estado. Quando se instaurou o Estado de clas-ses, como conseqüência da revolução patriarcal, uma classe se apoderara do poder e dirigia as outras. Passava então a ser legal o direito que defendia os interesses dessa classe, crian-do-se uma oposição entre esse Direito, o Direito Positivo e o Direito Natural. Sendo aquele um direito legislado, exigia obe-diência. Estabeleceu-se então a organização coercitiva que é o Estado, personificação do legal.

Da validade do legal como legal, foi possível a transfe-rência para o domínio do arbítrio de toda emanação de Di-reito.

Passou a ser o Direito aquilo que negava pela coação, a própria natureza do homem. No longo desenvolvimento desse Direito que deu as leis do Patriarcado, o jusnaturalismo sempre reivindicou o seu papel de fonte natural e direta de justiça. Hoje, mais do que nunca, ele surge revigorado pela derroga-ção, lenta ou revolucionária das formas jurídicas patriarcais que são; o filho de direito paterno, a propriedade privada do solo e o Estado de classes.

A ruptura histórica com o mundo matriarca] produziu-se quando o homem deixou de devorar o homem para fazè-lo seu escravo. Friedrich Engels assinala o fecundo progresso dialéti-co que isso constituiu para a humanidade.

De fato, da servidão derivou a divisão do trabalho e a organização da sociedade em classes. Criou-se a técnica e a hierarquia social. E a história do homem, passou a ser, como disse Marx, a história da luta de classes.

Uma classe se sobrepôs a todas as outras. Foi a classe sacerdotal. A um mundo sem compromissos com Deus, suce-deu um mundo dependente de um Ser Supremo, distribui-dor de recompensas e punições. Sem a idéia de uma vida fu-tura, seria difícil ao homem suportar a sua condição de es-cravo. Daí a importância do messianismo na história do pa-triarcado.

Fora dele, anterior a ele, ficou a reminiscência do sa-cerdote que defendia a própria função e com ela a vida, dia e noite, rodando em torno ae uma árvore, solitário e soturno, à espera do golpe fatal de seu sucessor que o espreitava.

Esse símbolo do sacerdote ligado ao culto como à sua própria existência, que abre o folclore de Frazer no Ramo de Ouro, dá bem a imagem do condutor religioso da tribo, de cuja vigilância depende como a sua, a própria vida do grupo.

Estamos longe desse padre insone do lago de Nemi, quan-do vemos se desenvolver na história de todas as religiões, o Sacerdócio como sinecura sagrada, muitas vezes confundido com a própria função da realeza. Os reis-padres sucedem-se na organização das primeiras sociedades e quando as duas funções se separam, a do mago que comanda o sobrenatural envolve a outra que de sua sanção passa a depender.

A história do sacerdócio caracteriza-se como fonte do que Friedrich Nietzsche havia de chamar a Moral de Escra-vos. Nos velhos livros religiosos, verifica-se uma coincidência de ordenações, princípios e máximas que poderiam constituir a Cartilha do Escravo Perfeito.

O sacerdote foi muitas vezes o legislador, outras vezes, através de augúrios e oráculos, presidiu a paz como ordenou a guerra.

Vitorioso e intocável no Egito, no Oriente, na Grécia e em Roma, testemunho e apanágio das civilizações mais cultas, o Sacerdócio teve um retorno ao seu sentido nativo em Roma, nos primeiros tempos do Cristianismo. Aí ressurge na figura esgazeada e contundente do náufrago Paulo, em Pedro cru-cificado de cabeça para baixo, nos Padres Mártires da cata-cumba e do circo, a figura dramática do sacerdote de Nemi. Mas desde que Constantino pacifica a questão social roma-na, sancionando a servidão que se impunha com a falta de mão-de-obra do latifúndio, o Papado se instala no berço de púrpura do Catolicismo e penetra na alta Idade Média en-frentando Atila e Genserico.

A renascença carolíngia daria a confirmação histórica do papel tutelar do sacerdócio. Nela se alicerça o Santo Império Romano e só mais tarde, ante a decadência e a desmoraliza-ção da Roma papal, é que o sacerdócio vê alinharem-se dian-te dele, humildes umas, outras violentas e reformadoras, al-gumas figuras que o fazem estremecer. Francisco em Assis, Savonarola em Florença e finalmente o monge Martinho Lu-tero em Wittemberg, no coração da Alemanha.

Antes de chegarmos à crise do Sacerdócio ocidental cul-minada na Reforma luterana, vejamos a etimologia dessa pa-lavra que acompanha e centraliza a história de todas as igre-jas.

Sacerdócio quer dizer ócio consagrado aos deuses. O ócio não é esse pecado que farisaicamente se aponta como a mãe de todos os vícios. Ao contrário, Aristóteles atribui o progres-so das ciências no Egito ao ócio concedido aos pesquisadores e aos homens de pensamento e de estudo. A palavra ócio em grego é sxolé, donde se deriva escola. De modo que podemos facilmente distinguir dentro da sociedade antiga, os ociosos como os homens, que escapavam ao trabalho manual para se dedicarem à especulação e às conquistas do espírito.

No fundo de todas as religiões como de todas as dema-gogias, está o ócio. O homem aceita o trabalho para conquis-tar o ócio. E hoje, quando pela técnica e pelo progresso so-cial e político, atingimos a era em que, no dizer de Aristóte-les, “os fusos trabalham sozinhos”, o homem deixa a sua con-dição de escravo e penetra de novo no limiar da Idade do Ócio. Ê um outro Matriarcado que se anuncia.

Todas as técnicas sociais, a legislação como a política, a ofelimidade como a infortunistica, reduzem o trabalho, o or-ganizam e compensam sobre bases sanitárias e palinódicas. E a partilha do ócio a que todo homem nascido de mulher tem direito. E o ideal comum passa a ser a aposentadoria, que é a metafísica do ócio.

No mundo supertecnizado que se anuncia, quando caí-rem as barreiras finais do Patriarcado, o homem poderá ce-var a sua preguiça inata, mãe da fantasia, da invenção e do amor. E restituir a si mesmo, no fim do seu longo estado de negatividade, na síntese, enfim, da técnica que é civilização e aa vida natural que é cultura, o seu instinto lúdico. Sobre a Faber, o Viator e o Sapiens, prevalecerá então o Homo Lu-dens. A espera serena da devoração do planeta pelo impera-tivo do seu destino cósmico.

O Cristianismo surgiu em meio da maior concentração proletária da antigüidade — Roma. Há nos Evangelhos um curioso dirigismo que faz construírem eles sinoticamente, muito além da Moral de Escravos, oriental ou socrática, um código de bfem viver no trabalho e para o trabalho. Cristo é o primeiro deus trabalhador. Longe do faquirismo asceta de Buda, além dos divertissements olímpicos, Jesus Cristo, filho  do carpinteiro de Nazaré, ele mesmo aprendiz carpinteiro, fundamenta o prodígio mecânico e cria o milagre sanitário. E um deus de sindicato. Anda sobre as águas com São Pedro &trás. Faz-se transportar pelo demônio para o cimo de uma montanha, donde avista o mundo sem Dinóculo. Transfigura a água em vinho, multiplica os pães. Ressuscita Lázaro. Cria a pesca maravilhosa.

As contradições matriarcais que fulgem em Mateus, Mar-cos e Lucas, os lírios inativos que não tecem e se vestem, a antropofagia eucarística e a Anunciação que faz o Cristo um filho de Direito materno e um filho do Totem, apenas confir-mam o temário do Patriarcado e de suas formas de servidão que é o texto dos Evangelhos. Roma foi na oficina e na guerra social, a síntese do arbítrio judaico, do motor imóvel de Aristó-teles e da experiência mística alexandrina. Sem Roma, Cristo não teria ocupado por vinte séculos os cimos messiânicos do Patriarcado. Sem Paulo, o escravo não teria pleiteado a dig-nidade individual em Cristo que foi a longínqua semente da re-volução burguesa. Paulo permanece o seu patrono e o seu guia.

Antes de continuar a história do homem vestido, vejamos por um instante o que é o homem.

E o evolucionismo de Darwin, se bem que forme na base do conhecimento biológico atual, deixou brecha aberta a ou-tras divagações e pesquisas sobre a origem das espécies.

Uma intervenção espetacular no campo do Evolucionis-mo, veio constituir a de Edgard Dacqué, cujo valor cultural enciclopédico se enriquece de uma imaginação poética sem par. Segundo as suas concepções, não é difícil chegar-se à teoria do homem pré-estelar. Coincidência curiosa com a tese da célula hereditária, da matéria sutil e eterna de Mendel e ou-tros biólogos atuais.

Desse modo, no correr das transformações dos seres, o homem teria sido molusco, peixe, sáurio, ave e mamífero. E dele teriam derivado, como colaterais, os tipos fixados dessas espécies.

Que teria acontecido no seio do oligoceno ao sol, novo prenunciador do quaternário, quando o homem já tendo assu-mido a dignidade do ereto, na forma do primata, assistiu à morte dos grandes mamíferos, às transformações gigantescas da flora e à repartição diluvial dos continentes e aos mares? Aí, por adaptações lamarckianas, ter-se-iam repartido os co-laterais já em alta evolução, em hominídios, fósseis improduti-vos, larvas coiteiras de formas perdidas e ele então, o antro-popiteco, teria instalado o Reino do Macaco por toda a exten-são viável de sua marcha em busca de fixação. Seria a promis-cuidade heteróclita, onde se pjdia colocar o aparecimento do homúnculo de Bolk. Este sábio anatomista holandês, proclama que o homem é a fetalização do macaco. E nada impede que se adapte ao folhetim da vida que submete a matéria criadora de Paracelso às aventuras estruturais de Dacqué, esse “feto do ma-caco que teria enfim, realizado no Homo Sapiens o seu fim de linna, pois não é evolução e sim regressão. Não por ser o feto de Bolk, mas o simples produto do cruzamento de uma espécie superior — o antropopiteco — com as larvas hominídias onde se acentuariam as marcações de cada arcano ancestral. E o homem de cara íctia, como o homem-ave e o batráquio — seriam a réplica dos seus arquétipos perdidos na fixação dos colaterais de Dacqué. Ter-se-ia, portanto, assistido por toda a terra habitável, a um funambulesco Reino do Macaco. Na pro-miscuidade estabelecida entre o antropopiteco e essas sombras sexuais da espécie humana, qual seria o enxerto, qual o cava-lo?

Se conservamos, numa marcada biotipologia, os traços da evolução de Dacqué, é certo que numa confirmação para-lela, há muito de humano em cada espécie animal. O papagaio fala, a abelha se organiza em sociedade obreira como a termi-ta, o pavão confirma Freud, a formiga economiza e o tangará dança.

O correr dos milênios teria intensificado a miscigenação do homo viator, através das migrações, das guerras, dos êxo-dos e das conquistas. As raças confinadas no seu mimetismo, cor-de-deserto, coi*-de-pólo, cor-de-quermadura solar, longa-mente se mestiçaram. De modo, que hoje aparece menos ca-racterístico ou menos acentuado, o tipo originário das espécies  de que derivamos. E a constante conflitual que tantas vezes revela no homem o animal alérgico, o animal idiossincrásico, ter-se-ia atenuado ao longo da História, tornando viável e pos-sível o entendimento entre indivíduos e povos, tantas vezes desmentido e tantas vezes de novo sonhado.

Campo para polêmica e para pesquisa fica o romance bio-lógico que desenvolvemos da teoria de Dacqué, juntando-se agora à de Bolk, não menos surpreendente e fabuloso, do que foi A Origem das Espécies, de Darwin, no seu início. Poder-se-á talvez fixar através da iconografia histórica, das artes e mesmo da fotografia, quanto o homem de certa época ou de certa civilização, e ate quando, reproduziu a sua origem fe-lina, íctia ou porcina. Não é inoportuno criar-se uma Dacquéá-na e levá-la às suas últimas conseqüências antropológicas e culturais. Seria aceitar o ponto de vista do primitivo que se identificava com o totem.

A promiscuidade originária é um fato. Somente a defor-mação interessada e o espírito confessional poderiam dar na atualidade um exemplo como o de Westermarck que não pode alegar ignorância dos problemas em que é especializado. Fi-cou, não como obtuso sectarismo, mas, como piada a afirma-ção do sisudo professor da Universidade de Londres, de que a monogamia é uma tara legada ao homem pelo macaco. Sem partilhar do evolucionismo polêmico de Lewist Morgan, a ciência antropológica moderna não nega a fase que sem dú-vida presidiu às relações sexuais dos primeiros agrupamentos humanos. As pesquisas de Bachofen nesse campo longínquo da Sociologia, deram a identificação do Matriarcado. Não haven-do o pai, o parentesco só podia subsistir pela consangüinidade materna.

Uma curiosa lenda japonesa sugere o que se teria passado nesse perdido período da evolução.

O Imperador da China, em busca do Elixir da Longa Vi-da, enviara às ilhas japonesas um navio capitaneado por sua filha “a princesa Esplendor da Aurora”. Batendo num roche-do, o navio naufragou, atirando à costa a princesa e suas aias que foram encontrar a terra habitada por terríveis antropóides, cujo chefe era o Macaco Saru. Da promiscuidade resultante derivaram os japoneses que até hoje guardam traços psicosso-máticos desse estranho cruzamento: agilidade, membros supe-riores longos, vegetarismo, fraca visão, infantilismo, espírito de imitação, sentido, de grupo.

A deusa Amaterasu, em que se transformou a princesa Es-plendor da Aurora, deu aos japoneses a fixação materna de sua origem. São filhos da Redentora de. sua primitiva natureza ani-mal.

Além do Matriarcado que aí se documenta, temos na se-qüência desse achado folclorico, uma versão do Complexo de Edipo, se bem que parcial, mais forte que a deduzida por Freud da mítica grega. Os frutos resultantes da promiscuidade entre chinesas e macacos, no acordar da sua primeira cons-ciência, sentiram-se horrorizados e, querendo lançar um abis-mo entre a expressão humana adquirida e a sua origem animal, mataram o pai tribal que era o Macaco Saru.

A deificação do Macaco Saru, numa interpretação eve-merista, teria dado origem ao culto aos mortos. O morto sem-pre foi objeto duma transfiguração tutelar, isto é, apaziguador do sentimento de culpa. Mesmo hoje, a família humana, pode-rosa ou modesta, não esquece a tradição do antepassado puri-ficado pela morte. Não há diferença fundamental entre a mí-tica doméstica de hoje, com sua anedótica sentimental e ico-nográfica, e o sentimento que fazia Cícero éxclamar: “Bons ou maus, tornavam-se todos, com a morte, deuses subterrâneos e tutelar es”. Ê mesmo de notar como, nas classes desfavorecidas da sociedade, atual, cresce um sentimento de recuperação herál-dica, que poderíamos chamar de “Complexo do Antepassado”.

O culto aos mortos não implica necessariamente uma idéia do Além. O homem arcaico acreditava na sobrevivência local do morto sob a terra em que jazia. “Os ritos da sepul-tura — afirma Fustel de Coulanges — mostram claramente que quando se dava sepultura a um corpo, acreditava-se enterrar, ali, qualquer coisa de vivo.” Virgílio dizia: “Fechamos a alma no tumulo” e é da lUada a expressão: “Que a terra te seja le-ve!”*

Não é só no Egito que se produziu a técnica da sobrevi-vência na mumificação, nem é só nas tribos primitivas da Amé-rica e da Austrália, que se encontra essa concepção de que o morto persiste no local em que está enterrado. Grécia e Roma o praticaram. Tucídides, Solon e Luciano de Samosata ates-tam o antigo hábito de deixar junto ao desaparecido as suas vestimentas e levar-lhe presentes e dádivas. Suetônio narra que junto aos restos de César foram colocadas vestes, armas e jóias. No túmulo permaneciam corpo e alma sem recompensas nem suplícios. Euripedes fazia Engênia exclamar: “Derramo sobre a terra do túmulo o leite, o mel e o vinho, porque isso agrada aos mortos”.

A idéia de Juízo Final é de origem persa. Pertence à mi-tologia masdaísta. E de Zaratustra ao Miguelangiolo da Sixti-na, ela é a base escatológica do Messianismo. Com ela toma corpo o sacerdócio e fixa um dos seus argumentos confessio-nais, o Patriarcado. No Matriarcado toma caráter benfazejo e totêmico o culto aos mortos.

Devem-se a Bachofen, vulgarizado por Nietzsche, as pri-meiras pesquisas sobre o Matriarcado. Como já afirmamos, a cultura humana se dividiria em dois hemisférios — Matriarca-do e Patriarcado.

Deriva o filho de Direito Materno do fato de que o. primi-tivo não ligava o amor ao ato da geração. O amor é por exce-lência o ato individual, e seu fruto pertence à tribo.

Será preciso criar uma Errática, uma ciência do vestígio errático, para se reconstituir essa vaga Idade de Ouro, onde fulge o tema central do Matriarcado.

Do macaco monogâmico de Westermarclc à Cidade Anti-ga de Fustel de Coulanges e ao matrimônio como sacramento,

têm variado as justificações da união indissolúvel, sem que, por exemplo, passasse pela cabeça daquele sociólogo e desse his-toriador, ambos mestres da ciência patriarcal, que pudesse ter havido qualquer organização familiar fora da jurisdição do pater famílias. Para eles, o mundo oomeça com uma unidade de servidãò e de culto, cujo modelo é fornecido pela gente ro-mana e por seu direito assim conceituado: Pater est quaem nuptiae aemonstrant. Nesta fórmula está a chave do patriarca-do que importa na conservação da herança paterna e na con-seqüente acumulação da riqueza em mãos de um grupo e, por-tanto, de uma classe. Lutero e Melanchton confirmaram esse ponto de vista, admitindo até a poligamia, contanto que não se dissolvesse o vínculo matrimonial que produz a herança.

O volume recente de Claude Lévy-Strauss sobre as estru-turas do parentesco esgota o assunto. No entanto, o antigo pro-fessor da Universidade de São Paulo, atinge apenas as recuadas fronteiras do Patriarcado. Assim, inicia ele o seu volume estu-dando o fenômeno primitivo da retribuição. E na retribuição, a mulher como dádiva. Trata-se, portanto, de um estado adian-tado de escravidão patriarcal que ele focaliza, no qual a mu-lher é considerada um simples objeto. Só uma paleontologia social possibilitaria a restauração e o estudo das estruturas ma-tri arcais desaparecidas.

É a Grécia que fornece o testemunho decisivo dessa cul-tura em que todos eram iguais, possuíam as coisas em comum e não havia o domínio do homem sobre o homem. O melhor vestígio da idade sem senhores nem escravos é dado pela Re-pública de Platão. í>ela seriam, banidas a opulência e’ a pobre-za e todas as classes se igualariam. “Não tivemos em mira a felicidade de certa classe particular de cidadãos.” Sobre a co-munhão das mulheres e dos filhos eis a decisão: “As mulheres de nossos guerreiros serão comuns a todos, nenhuma delas ha-bitará em particular com algum deles; também os filhos serão comuns, nem os pais conhecerão os filhos, nem estes a seus pais”.

No entanto, o texto que assinala a passagem para o Di-reito Paterno e, portanto, que se coloca na aurora do Patriar cado, é da Orestia, de Êsquilo. Bachofen a ele fez a primeira referência.

O matricida Orestes, perseguido pelas Erínias, fúrias vin-gadoras do Direito Materno, procura acoitar-se junto à Miner-va, que faz de seu crime um julgamento sensacional. O voto de Minerva decide pelo Direito Novo. Oestes é absolvido e as Erínias, convencidas da sua inutilidade, sujeitam-se às leis do Estado nascente cujos fundamentos estão na herança paterna e em suas reivindicações.

O clímax do Patriarcado é dado pelo Hamlet, de Shakes-peare. Ai estrondam alto a vindita e o ressentimento do Prín-cipe, contra a mãe adúltera. Vê-se como se delineiam diferen-temente os caminhos da vida no Matriarcado e no Patriarca-do. Nas primeiras tribos humanas, desligado o ato da geração do ato do amor, não é possível drama algum ante os direitos da mulher à sua existência amorosa. Nos caminhos .do Patriar-cado, o destino trágico do Príncipe Hamlet, que é o mesmo de Orestes, se repete por milênios. Da Electra, de Sófocles à Elec-tra, de ONeilL passando por E uri pedes, Racine, Goethe e.Ib-sen, é sempre o drama aa inconformação dos filhos, ante a constante libertária dos pais amorosos. É o drama da herança e da propriadade privada.

Hoje, na crise messiânica que se assinala de todo lado, caiu o clímax paternalista. Ê um filósofo quem oferece a me-dida dessa revolução nova de leis e de costumes, Jean-Paul Sar-tre. Em Les Mouches glosa o tema da Oréstia. Mas de ângulo diverso. Para o Orestes de Sartre, os remorsos são moscas. E pela primeira vez, na literatura, toma um aspecto bufo a rei-vindicação do vingador dos direitos paternos.

Werner Jaeger, no terceiro volume da Paxdéia, onde de-senvolve o tema da cultura aristocrática na Grécia, afirma que: “A paidéia dos gregos e a sua teologia filosófica foram as duas formas fundamentais através das quais o helenismo influiu na História Universal”.

Não é sem dúvida uma coincidência essa que faz que no século VIII a.C., quando aponta a poesia grega, Hesíodo ve-nha a ser o autor ae uma teogonia e ao mesmo tempo o cantor do trabalho. Vê-se que, no desenvolvimento do Patriarcado, liga-se a servidão ao céu. É, sem dúvida, o primeiro documen-to messiânico na Grécia, essa teologia galante mas profunda, do poeta d’Os Trabalhos e os Dias que começa com a seguinte apóstrofe das Musas: “Pastores largados pelos campos, opró-brios da terra, que sois somente ventres, nós sabemos contar mentiras idênticas às coisas reais, mas, quando queremos, sa-bemos também proclamar a verdade”.

Belo começo em que se situa imediatamente o homem na condição de besta diante do Olimpo. E ande direitinho. “Vai! Lembra-te sempre do meu conselho, trabalha!” Eis a base da teologia patriarcal

Em Hesíodo já existe todo um código da servidão oomo aliás a teoria messiânica do pecado original e de seu resgate pela graça. “A raça dos homens vivia antes na terra, ao abrigo das penas da dura labuta e das doenças dolorosas que trazem a morte aos homens”. “Não há nenhum meio de escapar aos designios de Júpiter”. Só este: “com seu vasto olhar concede a prosperidade .

Na Gênese, Eva é a culpada, na Grécia homérica é Pan-dora que dispersou sobre o mundo todos os males saídos de sua concha.

Nas duas versões, na bíblica como na helênica, ambas pa-triarcais, a Idade de Ouro, que mais tarde Ovídio cantaria, refulge na saudade do homem reduzido a escravo pelo Patriar-cado.

Ao milenário comício da Servidão, devia comparecer, em-poeirado e hirsuto, Sócrates na ênfase trágica da consciência grega, depois da derrota do Peloponeso. Ele é um compêndio ae atenções para com as classes poderosas. Eis o que afirma, nO Banquete-. “Tudo é belo se se faz conforme as regras da honestidade, feio se se faz contra essas regras. O mesmo sucede com o amor. Todo o amor em geral, não é belo nem louvável, se não é honesto. O amor da Vênus popular é popular tam-bém e somente inspira ações baixas; é o amor que reina entre o comum das gentes, que amam sem eleição, tanto as mulheres como os mancebos, dando preferência ao corpo sobre a alma”.

Não podia falar melhor o Patriarcado com seu ódio de classe, com seu desprezo iosultuoso pelo povo, pelo “comum das gentes”. Em seguida pleiteia o pai da filosofia grega: “Devia haver uma lei que proibisse amar os garotos jovens demais, a fim Be não se peraer tempo com coisa tão incerta”. “O que é necessário — acrescenta — é criar, através da pede-rastia, amizades e relações vigorosas”.

A figura de Sócrates, como se vê, posta ao lado da figu-ra de Cristo, contrasta como moralidade comum. Ninguém mais do que nós adota o ponto de vista libertário em matéria de amor, onde o homem se move entre o telúrico e o ctônico. Mas essa pública narcisidade da inversão sexual repugna a qualquer consciência normal de qualquer sociedade. Um au-tor atual, o Pçdre Festugière, descreve,- assim os educandos de Sócrates: “Como se sabe, o perfeito cidadão deve começar pelo perfeito adolescente: no ginásio nada de imodéstia. À mesa, ele não se serve dos melhores pedaços, não ri alto, não cruza as pernas. Evita a Agora, as dançarinas e os banhos pú-blicos. Levanta-se diante dos velhos, responde com poliaez a seus pais. Cora facilmente. É vivo e tímido ao mesmo tempo”.

Eis a juventude gidiana criada por Sócrates, a que se re-duz, na decadência, a Grécia homérica e dionisíaca, a Grécia de Êsquilo, de Heráclito, de Empédocles e de Sófocles. À Gré-cia de Monsieur de Charhis.

Nietzsche, com a bravura do seu gênio, não fustigou sufi-cientemente este puritano fescenino das ruas erppoeiradas da Atenas do V século. Mas-soube perfeitamente vê-lo segundo Jaeger como o responsável pela “petrificação intelectualista da filosofia escolástica que encadeou a humanidade por meio mi-lênio e cujo últimos brotos se encontraram nos sistemas teolo-guisantes do chamado idealismo alemão”.

Bem antes de Tolstoi, Sócrates é o animador da censura, é o patrono da literatura dirigida. Nas suas mãos morrem poe-sias e arte na Grécia. Ê com o mais ridículo dos sérios que ele afirma que “os poetas e os fabulistas se enganam a respeito dos homens nos assuntos de máxima importância, quando de-claram que em regra geral os maus são felizes e os bons des-ditosos; que a injustiça é útil, contanto que oculta; que, ao contrário, a justiça é útil e proveitosa a todos, mas um mal pa-ra quem a pratica”. Pretende* ele, no estado ideal que funda, proii>ir aos poetas que assim falam, ordenando-lhes que de fu-turo digam precisamente o contrário. Funciona aí o primeiro DIP.

O que Nietzsche diz sobre a filosofia alemã, que não pas-sa de uma “teologia astuta”, é confirmado pela volta a Sócra-tes que se denuncia na chamada “filosofia aos valores”. Sche-ler aerrogou Nietzsche, afirmou-me um pensador alemão.

De foto está de pé o que seria “eterno no homem”. “Deus e os gênios são por natureza incapazes de mentir.” Fabrica ele aí o Senhor Onipotente que, durante mais de dois milênios, vai sancionar os abusos de força e afagar as injustiças de clas-se. Está criada a autoridade sacerdotal e com ela o pedestal de todo conservantismo, de todo antiprogresso, de todo farí-saísmo social e político.

De Sócrates sai o esquema do perfeito boneco humano, longamente exaltado pelas classes dominadoras, a fim de se conservar, domado e satisfeito, ò escravo. Ê o “piedoso”, o “justo”, o “continente”, o “prudente”. Nele refulgem as vir-tudes do rebanho, como definiu Friedrích Nietzsche. Nele re-side o fundo catequista de todas as covardias sociais e huma-nas. _

Se no Sturm und Drang, Hõlderlin viu, no mito de Dioti-ma, uma mágica aparição poética, o que Sócrates realmente tira dessa mulher de Mantinéia é uma lição interessada em tor-no dos temas idealistas de Platão. Assim, o único mérito desta vida é a contemplação da beleza absoluta. E, daí um passo mais, surge a beleza divina” e daí, como final, a contrafação de que a verdadeira virtude é ser amado por Deus. Enquanto faz assim a exaltação do espírito servil, agradável a todo ti-rano, por baixo e por cima da mesa do Banquete, Sócrates se deixa disputar pela bolina de Agáton e de Âlcebíades, numa cena digna do romancista americano Henry Miller.

A tragédia política da Grécia, a queda do seu esplendor homérico, traria o triste teatro de tese dos Diálogos, teatro dirigido e formalista, ao qual o pior Cristianismo até hoje se amarrou como a uma bóia salvadora.

Se, em Platão, subsiste uma ou outra invenção lírica, aque-le navio-oráculo de cuja chegada depende a execução de Só-crates, e nele se guarda o tesouro errático do Matriarcado gre-go — somente a inversão interessada do sentido da existência, Feita pelas classes dominantes, traria até o fogo purificador de Friedrich Nietzsche, sem exame e sem crítica, o compêndio central do espírito de Servidão que são os ensinamentos so-cráticos. Neles o Patriarcado constrói a sua sofistica triunfal. Neles se insere o segundo termo da nossa equação chave, a antítese, o espírito de negatividade do próprio homem.

Precisamos atentar em tudo que precedeu e marcou tan-to a vida como a morte de Sócrates, para se ter o exato sen-tido da sua atuação reacionária e da sua militante impostura patriarcalista.

Ele se coloca exatamente no pórtico daqueles tempos no-vos anunciados por Minerva, no final da Oréstia. £ toda a transformação de um clima. A Grécia que possuía uma unidade homérica se esfacela na guerra do Peloponeso, auge das suas atribulações internas. A Grécia dionisíaca, que produziu, na medida clássica do século V, a sua ordenação plástica e lírica, decai nas dissensões entre os aristocratas e o povo. A Grécia fora o mar e, portanto, o comércio, daí ter surgido nela a in-dústria e o proletariado urbano. E conseqüentemente as pri-meiras experiências da questão social. Sócrates é a oposição a toda medida eufórica que os gregos guardavam de sua alta an-tigüidade. Contra o politeísmo, ele lança o Deus único. Con-tra o sentido precário da vida de Heráclito, ele lança a imor-talidade da afina. Contra a visão conflitual do mundo de Em-pédocles, lança a imutabilidade do Bem.

O que redime Sócrates é a sua alta sinceridade. Com o monstruoso acúmulo de injunções escravajistas que dá ao mun-do clássico, aberto sobre o apogeu de Roma, ele oferece a sua própria vida. Mais do que no seu processo e na cicuta final, Sócrates reside no episódio do julgamento dos comandantes navais que não tinham tido tempo de enterrar os mortos da batalha das Argenusas. Membro ao Conselho, ele Vota contra os velhos ritos e os velhos costumes. Sua atitude, frente à Gré cia arcaica, é de fato revolucionária. E como foi um progresso a escravidão que tirou o homem do seu estado primitivo, tam-bém a teologia socrática constitui um passo à frente no cami-nho das conquistas da civilização. O messianismo que brota de suas convicções imortalistas e que depois a figura do Cris-to centralizaria, vem dar alimento interior às populações pro-letárias que iniciam nas bordas do Egeu, a marcha técnica do homem. O sobrenatural não está longe do milagre físico que a técnica cria.

Quanto à decisão em aceitar a cicuta, ela se reveste de caracteres suspeitos quanto à sua pureza. Na apologia que dele faz Xenofonte, eis as suas palavras textuais: “Sei bem que te-rei de pagar o meu tributo à velhice; a minha vista se debili-tará, ouvirei mal, diminuirá a minha inteligência e esquecerei mais facilmente do que aprenderei. Se a perda das minhas faculdades me tornar desagradável a mim mesmo, que prazer poderei encontrar na vida?”

É nesse estado de autocrítica que lhe oferecem a glória da imolação. De outro lado, está a fuga que alguns amigos preparam. Uma fuga inútil, forá de qualquer militância, a fu-ga não para conservá-lo na luta que não existe, mas apenas, para lhe poupar a vida. E que vida? Essa vida precária de setenta anos surdos e cegos. Na ilegalidade e na miséria sob a perseguição e o clamor público. Quando não, ao lado de Xan-tipa “ajnais insuportável de todas as mulheres passadas, pre-sentes e futuras”, no testemunho de Xenofonte.

Sócrates representa a perda do caráter lúdico no homem evoluído. Para suportar a morte prega a idéia salvacionista da sobrevivência.

Todo o Fédon não passa de um terrível drama íntimo. Com o seu complexo de parteira, herdado da Maiêutica mater-na, Sócrates desenvolve um terrível monólogo para se conven-cer, mais que aos outros, da existência da alma imortal. Assim passa a cicuta a ser a chave da sobrevivência no mundo do ócio que lhe fora sempre negado, a ele pobre desmobilizado do Pe-loponeso e parasita perene das casas ricas de Atenas.

A cartilha do resignado desenvolve-se completa nessa ho-ra agônica. A vida mesmo má deve ser suportada até que Deus nos envie uma ordem formal. Só um mentecapto pode pensar em fugir de seu amo a qualquer preço. O sábio deve permane-cer sob a dependência do que é melhor do que ele. Os deuses cuidam de nós que a eles pertencemos. São os melhores gover-nadores do mundo. A adulagem continua. Assegura que vai encontrar deuses de primeira ordem. Pois há alguma coisa reservada para depois desta vida, onde os bons serão melhor tratados do que os maus. Deve o filósofo morrer na esperança de que gozará depois da morte bens infinitos. O corpo é uma corrupção. O que interessa é a alma. Livres da loucura do corpo, só assim conheceremos a verdade.

O inferno aparece. Quem foi aos infernos sem estar ini-ciado e purificado será precipitado na lama. Mas ele pertence ao número dos eleitos, confia na vontade de Deus. A alma existia antes de nascermos, quando tínhamos conhecimentos que perdemos. Esboça-se aí a doutrina da reminiscência.

Os que sempre exerceram a temperança e a justiça vão para um lugar agradável e por isso ele não julga uma desgraça a situação ae condenado à morte em que se encontra. Não é dos que confundem o primeiro princípio com os que dele de-rivam. Com a morte, o que há ae mortal no homem perece o que há de imortal se retira para ser julgado e receber o bem ou o mal que mereceu. Desde que tenha bebido a cicuta, irá go-zar a felicidade dos bem-aventurados. E se fez esse longo dis-curso, não foi só para consolo dos amigos, foi também para seu próprio consolo.

Sócrates exprimira a mudança de espírito produzida pelo esfacelamento do mundo grego. Sua pregação é um apronto pa-ra a cultura escrava que se vai aperfeiçoar em Roma nas artes competidoras da guerra como nas artes mecânicas da paz. Os trabalhos de engenharia da antigüidade tinham tido uma base empírica. Agora, na arte do diálogo, que Platão assinala como o dom socrático por excelência, vem toda a pedagogia. Um passo mais e Aristóteles lançará as bases da lógica clássica. Sem ela, não teria havido a ciência.

É um dos sábios modernos, Alfred Whitehead, quem assi-nala a importância do conceito de um mundo lógico, ordena-do por um ente supremo para o progresso da Física. Que era afinal a Mecânica senão o aproveitamento lógico das forças da natureza? Primitiva, caótica e desordenada, numa civilização sem relógio, a técnica só podia ser eficiente, apoiada no braço escravo. O escravo só podia existir na condição miserável a

3ue estava reduzido, com a esperança messiânica da outra vi-a. Daí o êxito do Cristianismo no desenvolvimento proletário de Roma. Alimenta-se ele da depressão espiritual do trabalha-dor.

No apóstolo Paulo, ergue-se a monogamia como um ins-tituto agressivo do Patriarcado, frente ao grupo sexual da Ida-de de Ouro matriarcal. Estamos no primeiro apogeu da nega-tividade ou da antítese, o segundo termo de Kojeve.

Encarece-se o papel da monogamia reivindicada para o escravo como esteio da dignidade humana. Mas por detrás des-sa revolução contra a gens, insinua-se a ascese, a pregação da castidade e do celibato.

A revolução pauliniana de um lado é a semente da pró-pria revolução burguesa que dormitaria sob as invasões e os enxertos raciais e étnicos da Idade Média, para germinar no humanismo renascentista. De outro é o apostolado agreste de Cristo que vem confirmar á lei patriarcal. Revolucionária é a idéia da igualdade de todos em Cristo, isto é, sob uma ban-deira que transcende as fronteiras imperiais de Roma. “Não há agora nem Judeu nem Gentio, nem escravo nem livre, nem homem nem mulher, mas vós sois todos um em Jesus Cristo” — diz a Epístola aos Gálatas. Revolucionária torna-se a posi-ção do escravo monogâmico, detentor individual da dignidade humana. Da mesma Epístola aos Gálatas é aquela afirmação: “O homem não é justificado pelas obras da lei mas pela fé”, que através de Agostinho daria a apologia do arbítrio em Lu-tero e o — conseqüente — “estado de graça” do burguês que prospera no comércio ou no roubo. Estão aí delineadas diale-ticamente as etapas da cultura pratriarcal.

Não se pode esquecer que Aristóteles foi áulico de Felipe da Macedônia e preceptor de Alexandre, o Grande. Jaeger assinala as “suas relações pedagógicas com o futuro domina-dor do mundo”.

Mas é um contemporâneo, Hans Kelsen, quem analisa a posição interessada do Stagirita. “A teoria metafísica do Ser que pretende ser uma ontologia, constitui na realidade uma axiologia, uma teoria do valor absoluto e, portanto, uma teolo-gia, pois a perfeição ou bondade corresponde à essência do real e, por isso, todo real é, em certo grau, bom; isto verifica-se com especial acuidade nestas palavras: “o Ser não podia ser mal administrado. A salvação não está no comando de mui-tos, um só dominei”

£ este o texto da lliada que Kelsen reproduz de Aristóte-les sem dizer que este o copiava de Homero. Texto chave con-fessional do Stagirita. Não se pode esquecer que Homero era o cantor da Aretê, isto é, da virtude helenica de que fazia a exal-tação em seus versos.

Conclui muito bem Kelsen que no “Ser como tal”, funda-mento da ontologia aristotélica, está inclusa a idéia duma mo-narquia absoluta. Dai ter a sua decorrente teologia um mar-cado caráter monoteista.

Este monoteísmo, porém, vinha de longe, do fundo das velhas fés absolutistas. E tinha uma finalidade, a obediência do homem-escravo ao senhor da terra que era o espelho do Senhor do céu..

De uma edição de textos religiosos, coligidos por Frost, re-produzimos os trechos comparados das diversas confissões do mundo antigo, no capítulo “Obediência”. Ei-los:

Do Budismo: (Dhammapada 20, 376) “Os que obedecem a lei e seguem diligentemente os mandamentos terão sereni-dade de espírito, alegria e prosperidade. A obediência é o ca-minho para as boas coisas desta vida e da outra”.

Do Cristianismo’. (Mateus 19-17; João 14-31; Atos 5-29; Romanos 6-17; Hebreus 12,9; Tiago 1-22; João 3-24 5-2-3) “O verdadeiro cristão é conhecido pelo fato de que obedece aos mandamentos de Deus. Quem deseja a verdadeira vida, aqui e depois, precisa seguir os mandamentos”.

Do Confuctonismo; (Shu-King: 4-3-3; Lun Yu: 20-3-1) “Para obter o favor do céu, devem-se observar os estatutos do céu. Quem reverentemente observa esses estatutos e é obedien-te à vontade do céu, terá felicidade e tornar-se-á um homem su-perior”.

Do Hinduísmoi (Bhagavad Gita: 18-58-73) “As leis de Deus são eternas, sublimes e profundas. O homem que for obediente a elas será feliz e, depois da morte, experimentará uma alegria infinita”.

Do Judaísmo: (Deuteronômio 7-9-11-1; Reis 8-61; Sal-mos 25-10; 103-17; 18-119; 47-48; 70-77; 97-101; 112-113; 127-140; 143-163; 167-174; Provérbios 15-5) “Os mandamentos do Senhor são justos e devem ser obedecidos. Desobedecer resulta em castigo, obedecer resulta em felicidade e bem-aven-turança. Deus não recompensa os povos e nações que lhe re-cusam obediência”.

Do Maometismoi (Alcorão 4-124) “Estarei com o crente que ouve a palavra do Senhor e obedece. A lei do Senhor foi dada aos homens para ser obedecida. O castigo dado à deso-bediência é severo”.

Do Síkhismo: (Japji – 13-14-15; Asa-Ki-War – Pauri 22) “O homem é para Deus o que o servo é para seu Senhor. Por-tanto, precisa obedecer sempre. Quem obedece terá honra e felicidade e eventualmente encontrará seu Senhor”.

Do Taoísmo: (Kwang — Tsé 12-2) “O homem completo e perfeito é o que obedece sempre à vontade do Senhor .

Do Zoroastrismo: (Yasna 45-50-6) “O Senhor é sábio. O que ele ordena é bom para seus súditos e seus mandamentos devem ser obedecidos. A imortalidade é a recompensa ofere-cida ao obediente”.

Se o homem ignora Deus que é supra-racional, ignora as suas razões. Plotino dá um passo à frente no caminho aberto por Aristóteles na justificação do absolutismo inamovível — o primeiro motor. Tá em Plotino transparece o futuro monge da Reforma, Martinho Lutero, que não discute nem quer discutir as razões de Deus. Se Deus é inatingível, suas razões o são também. Resta-nos curvar a cabeça e obedecer.

Vê-se em Plotino, retórioo romano do século III, ao con-trário de uma adesão às teses da Patrística, que são no mo-mento revolucionárias, um reajustamento em torno do Império combalido que procura a sua perdida unidade. Plotino pensa no inefável para ver se assim atinge, mesmo através das degra-dações da Natureza, o Supremo Ser. Nele se esboça numa coin-cidência histórica, o Logos de João.

Se Plotino diverge de Aristóteles quanto ao motor imó-vel, é em relação à Física e não à Metafísica. À idéia de uma multiplicidade de motores secundários, ele reage acentuando a ortodoxia de um texto do próprio Aristóteles: “A primeira es-sência não tem matéria alguma, pois, é realidade perfeita”. Assim, a teologia arístotélica por ele desenvolvida e transfor-mada em teologia negativa, de modo algum infirma a posição absoluta e absolutista do motor imóvel De modo que todo esse impressionismo filosófico do neoplatonismo não desserve nem desilustra o motor imóvel, espelho no céu dos tiranos co-roados da Macedônia.

Em Plotino que se liga aos cosmólogos pré-socrá ticos, en-contramos, no entanto, a raiz dessa filosofia da natureza que propõe um sopro, um pneuma, uma matéria incriada e imortal, o “germe de luz” do gnóstico Valentino e à qual o imperador apóstata, Juliano, procura dar a última formulação. A mesma que depois esplenderá em Giordano Bruno, Francisco de Assis, Averróis, Spinoza, Schelling e William Blake vindo dar Ba-ohofen e os contemporâneos Ludwig Klages e Edgard Dac-qué. Em Plotino, não há sombra de Messianismo. Há uma par-te imortal em cada ser, porém ela não se liga a nenhuma cons-ciência escatológica.

Na fecunda messe de heresias, que são o fruto do primeiro Cristianismo, o que se nota até o aparecimento de Agostinho é uma inconformação sem par. A antiga Roma se desorganiza e declina. Com a decadência do Império,, surgem de todo lado as discussões bizantinas em torno das teses da Boa Nova mes-siânica. Se esta foi proletária no seu inicio, é que a Patrístíca conservou uma uniaade polêmica favorável aos temas comu-nistas originados da seita dos Essênios, confirmada nos Atos dos Apóstolos e ganhando vitalidade no desenvolvimento da questão social, em Roma. Todas as heresias se tingem de revo-lucionarismo social. Pelágio quer a predestinação para todos e vê de um modo democrático, para todos a graça. Orígenes admite a salvação por etapas, atingindo até o próprio Satã. T fundo dessas polêmicas, que enchem os primeiros tempos da Igreja, estronda a questão social, e, por conseguinte, a incon-formação ante o Direito paternalista imperial. Com o africano Agostinho, salva-se, no entanto, a autoridade da Igreja e sal-va-se Deus com a teoria do arbítrio, apanágio e sina do Pa-triarcado. Os heresiarcas são condenados. A predestinação e a eleição dominam a teoria da Igreja, em meio das ruínas fume-gantes do Império Romano. Se Alarico toma Roma impune-mente, aproveitando-se das dissenções do Império com o Orien-te, já São Leão em 452 faz parar Atila na Itália e em 455 con-verte o vândalo Genserico.

Não se trata de uma simples coincidência, essa que trans-fere à Igreja, reforçada pela tese intemacionalista da Cidade de Deus, e pela tese aristocrática da eleição, todo o prestígio romano ante o convulsionado fim do Império. Os fenômenos nessiânicos avultam nos traumas sociais e nas desintegrações.

Caberia a um africano mesmo, trazer o sangue novo de que precisava o Sacerdócio para comandar.

Aliás, cabe à credulidade bárbara oferecer esse sangue no-vo e vitalizador para os mandamentos e os dispositivos do Cristianismo. Entre nós, no Brasil, tivemos aquele curioso epi-sódio relatado por Claude d’Abbeville, em que, o cacique Ja-pyuassu, se defende perante os jesuítas do crime de morte na pessoa da companheira adúltera. Ele nada mais fez do que cumprir o que me haviam ensinado. Um outro episódio é em-prestado ao mundo das invasões nos primórdios da conversão — o de Genserico. Na tomada de Cartago, mandou fechar os cabarés e dar maridos a todas as prostitutas.

Em Agostinho, o Sacerdócio retomara o seu papel de sen-tinela ativa do arbítrio. Só Deus escolhe, só Deus elege, só Deus salva. Ao lado disso, ele informa (por isso é Doutor), que só a Autoridade da Igreja faz crer em certos absurdos bí-blicos. De modo que, em Agostinho se funda a doutrina da autoridade e do arbítrio que ia produzir, da Idade Média à Reforma, o esplendor do Sacerdócio Ocidental. Estava debe-lada, assim, a crise do século V. A passagem do mundo roma-no para a Idade Média através da conversão, marca depois, em Guilherme de Occan, uma nova ênfase do arbítrio. Deus pode fazer o que quiser. Para ele não há compreensão nem crítica. É a entrega pura e simples do escravo.

Constitui um verdadeiro romance policial seguir-se a aven-tura patriarcalista do arbítrio através das páginas eruditas de Etienne Gilson. Um verdadeiro romance de Deus essa dissi-mulação do arbítrio sob as vistosas roupagens do Criador do Céu e da Terra. Apesar do respeito que infundem os gregos, a opinião média sobre a ciência é a de Pedro Damiani. E o diabo quem inspira aos homens o desejo da ciência e foi esse desejo que causou o pecado original, fonte de todos os nossos males. Apesar disso, o monumento da teologia medieval assen-ta sobre Aristóteles. £ Tomás de Aquino. Para ele “Deus ama irresistivelmente a ordem imutável”.

Que é afinal o Tomismo? Um fenômeno de ocaso. Como no início da ascensão burguesa, aparecem as grandes utopias do Humanismo trazendo a furo as velhas concepções coletivis-tas, é no século XIII que se produz a grande síntese ideológica do mundo medieval já em decomposição. Toda a Metafísica como a Ética do Aquinata repousam sobre as bases messiâni-cas do mundo, que tende a levar o homem ao seu único destino — à vida futura, ao céu. Quando vai apresentar-se, como vírus ativo do pensamento burguês a predestinação agostiniana, que de Lutero e Calvino dará toda uma linhagem de tubarões sa-tisfeitos, da City londrina à Wall Street, o professor dominicano vai levar à Sorbonne, na sua fundação, o realismo, declarando ser a Metafísica uma ciência muito mais exata do que a Física.

Todas as suas sutilezas, todos os seus arroubos são em torno da idéia do motor imóvel, símbolo solar do Patriarcado, agora revestido dos mitos iconográficos do Cristianismo. Deus é a Trindade. Tomás coloca-se em face do nominalismo como um adepto da realidade dos universais. “A existência atualiza a essência” — afirma. Em mataria política ele toma a posição comprometida de filósofo paternalista. Sobre isso desenvolve todo um temário. “Para a perfeita regularização da vida hu-mana, é preciso a instituição de uma lei, superior às léis na-tural e humana que ajuste os atos do homem para seu fim transcendente.” “Corresponde à lei, induzir o homem ao cum-primento de seu dever.” “Como a lei emana de um só rei para um só reino, e como o gênero humano constitui um reino pára um só cetro, o cetro de Deus, só há uma lei divina.”

Apesar dos trambolhões políticos de seu tempo e das lutas entre o Papado e o Império, Tomás de Aquino já sabe legislar o direito divino dos reis. O Sacerdócio tem nele a sua consagra-ção de mediador.

E a sombra do Aquinata se projetará, reacionária e triste, sobre cinco séculos do Ocidente. Seu afã fora arrancar o ser do fluir, impor o absolutismo inamovível sobre a dialética da História.

Nas guerras camponesas que iniciam a Idade Moderna, vè-se uma marcada tendência quiliástica nas reivindicações dos sequazes de Thomas Münzer.

Ao contrário do Cristo dulçuroso de Lutero, é o Cristo do Milenarismo, do Juízo Final próximo, que anima as hostes re-volucionárias do campo alemão. Eis o que afirma Leopold von Ranke: “Sentia Münzer, como sabemos, um grande desprezo pelo Evangelho Poético que Lutero pregava, por seu “melífluo Cristo”, por sua doutrina segundo a qual o Anticristo — o Papa — seria destruído somente pela palavra, sem se recorrer à vio-lência”.

O ano jubilar estava às portas, quando “cada um voltaria de novo à posse dos bens herdados por ele vendidos”. Essa subversão da propriedade iria terminar com a adesão de Lute-ro às classes dominantes. E seria pela espada que o “dulçuroso Cristo” ia abater as hostes comunizantes do iluminado Münzer.

Da mística pré-protestante a Jacob Bohme, de Mestre Ee* khart aos iluminados que Henri Brémond estudou, há uma linhagem de intuitivos que, ateizados ou não e trazidos para a poesia, darão os acentos lancinantes da Sturm und Drang e mais tarde os do Romantismo.

Para os grandes místicos, o Messianismo é assunto de por-tas fechadas, e, portanto, assunto que dispensa o Sacerdócio. Teresa de Jesus sente a presença fíçica de Deus e a sente com certeza, mais na intimidade de sua cela do que na confissão auricular. Aí, o intermediário só pode comprometer o retulez-vous.

O contato místico descera do caráter orgiástico que tinha na Grécia (mistérios órficos, festas dionisíacas) e que se con-serva ainda nos povos primitivos, para constituir no civilizado a mais secreta das experiências íntimas.

Roger Bastide assinala em seu livro sobre a vida mística, segundo textos muçulmanos e cristãos, que Deus esvazia o pa-ciente para depois encher o vazio com a sua presença. E pro-duzir um estado de tensão de todo o ser.

Trata-se de uma luta terrível entre as potências do instin-to e as da vontade, escrava do mito atuante. Os alumbrados são os atletas de Deus, ou melhor, os seus treinadores. A noite em que o Jacó bíblico perdeu para o Anjo, marcou o início dessa terrível prática mágico-masòquista, em que a entrega assume proporções que hoje a patologia estuda e define.

A mística passa a ser uma doença, com o desaparecimen-to das atividades de superfície. E a teopatia, o aniquilamento, a calcinação. Atenuada, coleciona simples fenômenos de mito-mania.

Essa capitulação do contemplativo que ultrapassa os re-cursos da razão, tem armado mais de uma vez na História, sob o comando do Sacerdócio, o braço secular. Pior para quem não acredite! Dela saiu o Alcorão e dela se têm alimentado os livros santos de mais de uma religião ativa. Lembremos, por exemplo, a Cruzada contra os albigenses pregada por São Do-mingos.

Há na crise sacerdotal do século XVI, duas posições níti-das tomadas para sempre nos destinos do Cristianismo.

Com todas as suas tropelias e seus erros, a corrupção ro-mana, a tirania apostólica, a venda das indulgências, o Catoli-cismo conserva a linha tomista que traz em si, além da socio-logia da esmola, um vago perfume de coletivismo. Assim, ante a irrupção do burguês ganhador, para quem a acumulação de bens terrenos emancipa dos ancestrais compromissos com Deus oonduzindo-o do liberalismo ao ateísmo, a reação da Igreja Católica é muitas vezes duma violência polêmica de pri-meira ordem. Assim, já afirmava, como princípio, a Escolás-tica: “As pessoas que fazem empréstimo a juros não deviam encontrar mais tolerância por parte do Estado do que as pros-titutas: ambos esses ofícios caem sob a proibição do Direito Natural”. Pelos que ainda conservam os preconceitos medie-vais do “justo preço” o ideal da sociedade burguesa consiste em: “sugar o sangue da viúva, tirar a herança do órfão, opri-mir, sufocar, devorar o pobre que não tem a força de resistir e construir a própria casa sobre a ruína de vinte famílias”.

Libertado pela teoria da graça, o protestante segue cami-nho diverso. Na santidade, no puritanismo e na ascese de Ben-jamin Franklin, se insere inconscientemente a psicose do lu-cro: “Se amas a vida, não percas tempo, pois, que o tempo é a substância da vida. Que tempo inútil gastamos em dormir, esquecendo que a raposa que dorme não pega galinhas e que, no túmulo, teremos tempo de dormir por toda a eternidade”. Seus ditados são: “Tempo é dinheiro” ou “Poupar, poupar, poupar”.

Com a superação do mundo medieval, o Patriarcado so-fre os primeiros embates do espírito moderno. Através dos ar-tistas ao Renascimento, redescobre-se o corpo humano. Com Descartes a razão afirma que existe e sobre as técnicas do pensamento a ciência estende um vasto império, até aí insus-peito. São duas incalculáveis conquistas. O )iomem tem corpo e razão. De outro lado, Spinoza ligando Deus à Natureza, res-titui à alma humana o seu sentimento cósmico, fora das injun-ções do Sacerdócio e da Igreja.

Antes disso, os humanistas lançavam do fundo de suas uto-pias revolucionárias, as primeiras ofensivas contra a ortodoxia absolutista. Erasmo afirma que “os príncipes cuidam mais dos seus rufiões mercenários que dos seus súditos”. “Verdade é, que eles se servem daqueles para dominar o povo”. Ê ainda Erasmo, que com Thomaz Morus, levanta a voz a favor da justiça internacional e da paz. Ao seu lado, Hugo Grocio, re-vive as teses do Direito Natural. Campanela restaura o ideal da República platônica, indicando o modelo matriarcal de Es-parta.

For mais que surjam contradições no pensamento huma-nístico, sendo uns pela monogamia, outros pela posse comum das mulheres, em todos, porém, se encontra o germe da inquie-tação que vai produzir os progressos da nova era e ameaçar o Messianismo. Bem se exprime pela boca de Bacon de Veru-lan, o sentimento de que pela ciência se desvendarão os mis-térios do mundo e se derrogará o atraso em que mergulha a humanidade. Na Nova Atlântida ter-se-á por um dos principais fins “a descoberta das causas e o conhecimento da natureza intima das forças primordiais e dos princípios das coisas, a fim de que se estenda o império do homem sobre toda a nature-za e que ele execute tudo que lhe for possível”.

Duas figuras decisivas marcam, antes do aparecimento racionalista de Descartes, o descrédito da ortodoxia messiâni-ca. São Rabelais e Montaigne.

O que, porém, faz estremecer e desabar o edifício da Ida-de Média visionária, sacerdotal e castelã, é o adverto econô-mico da burguesia. Mais do que a pólvora dos canhões, é o di-nheiro na sua validade anônima que derroga os privilégios da nobreza feudal e da clerezia usufrutuária. Numa gi-gantesca operação de estorno ideológico o que agora se pro-cura é o êxito na terra. O triunfo no céu importa menos que a moeda à vista, sonante e boa. A separação abismai entre a Ida-de Média e a Renascença é dada pelo aparecimento do dinhei-ro burguês. Com ele a iniciativa, o crédito e a técnica. Os do-cumentos bancários e o papél-moeda inventado na China no século XIII, fluidificariam de tal maneira o poder monetário que os valores vitais deviam ceder ante a expansão dos valores econômicos produzidos e multiplicados por toda parte. A ci-dade, face ao castelo, é o segredo da transformação diabólica do mundo. A cidade é o mercado, a cidade é o desejo que es- timula a produção. O burguês não se tornara ainda o explora-dor genialmente descrito pelo romancista Marx. Ele é o ini-migo n.° X da servidão do campo. “O ar do burgo produz li-berdade” — diz um provérbio alemão da época, A cidade traz no seu bojo o banco e o empréstimo. O senhor feudal que con-serva a economia de Deus, naufraga na dívida, filha dileta da prodigalidade. Na cidade, o burguês economiza. O dinheiro é o agente anônimo da sua força. Junto com a pólvora, ele destrói as pesadas muralhas onde se açoita impotente, o senhor do latifúndio. £ através do dinheiro, e, portanto, do crédito que o burguês inicia a sua emancipação. O homem comum po-de agora ser alguém. Dispensa os privilégios que destacavam, no fundo amargo das explorações medievais, o barão feudaL A burguesia, no entanto, cerca-se de todas as precauções

Saternalistas. £ a família monog&mica em face da bastardia o castelo. Data dessa época, a instituição da monogamia en-tre os judeus. E o Direito Romano ressurge porque e o Direi-to que garante e defende a propriedade. Uma volta às Doze Tábuas. £ o Direito que sustenta a herança. £ o Direito que tutela a mulher e a conserva inerme no poder dos agnatas. Ela se vinga. De uma só vez, na Roma da gens patriarcal, tinham sido condenadas à morte cento e setenta esposas por envena-mento dos maridos. Agora atenua-se o conflito. Engels afirma que o casamento monogámico vive sobre duas muletas — o adultério e a prostituição.

Mas a grande crise é a crise do Sacerdócio. O apogeu do Papado, ‘na sua ligação com o Santo Império Romano, pro-voca ódios e dissensões. A corrupção lavra no mundo religio-so. E no horizonte das heresias, iluminado pela fogueira de Ciordano Bruno, surge a figura apaixonada do monge Refor-mador. Roma para ele é a “sangrenta prostituta de Babilônia”.

A primeira atitude de Martinho Lutero é a liquidação do celibato sacerdotal. O sacerdote perde aí a sua vestalida-de. Passa a ser o homem sem mistério, o homem devassado pela intimidade da família. Do outro lado, o Reformador dá as ba-ses para a força moral da burguesia. Ê a doutrina da graça.

Deus elege os beneficiários do lucro. Contra o Sacerdócio, que é ócio sagrado, surge» na sua virulência, o negócio que é a ne-gação do ócio.

E sobre o dinheiro-papel, sobre o crédito e a transação fi-dudária ergue-se o mundo do banco, do comércio e da in-dústria. Ê no fiado que o mundo se transforma. O crédito* bai-xa & terra, descido das promessas de uma sobrevivência inú-til oomo um bocejo eterno. A burguesia é a ação, a inquie-tude, a graça imediatamente negociada. Pode esmagar os fra-cos que se interpuserem em seu caminho. A justificação pela fé é a grande arma do arbítrio. Parece que o pecador Lutero teme a justiça de Deus. “Só a graça é que salvai”, clama ele num desespero. Na luta contra o Papado, apela para o poder secular e proclama que o príncipe pode definir o dogma. Mas, nas asas ao negócio, Lutero colocava a destruição da própria fé. £ com ele que o Messianismo declina. Alguns séculos mais, e um crente, o francês Bernanos, passará o público recibo da descristianização da Europa.

O negócio é a Imoralidade fecunda. Da insensibilidade dos precursores do capitalismo vai sair a força terrena da revolu-ção industrial. Eis como Lutero define o seu próprio estado de eleição: “Um dia Deus se voltará para nós sorrindo e nos ornará com uma coroa imarcescível dizendo: Confessaste que eu era o Senhor, pregaste o meu nome. Muito bem! Que fôste pecador, pouco me importa, basta teres acreditado em mim e me conferido toda a honra. Assim, testemunharei por vós pe-rante meu Pai Celeste”.

Como se vê, é um contrato a que somente falta a con-firmação tabelioa. O espírito da transação burguesa está todo na Reforma.

Face ao luteranismo e às formas ásperas ou cordatas que ele suscitou contra o Papado, constitui-se uma ordem militan-te, a dos guerreiros de Inácio de Loiola.

O jesuíta procura limitar a ofensiva da Reforma e conse-gue vencer, na França, o espírito jansenista que dela derivava. Impotente, porém, ante a força das comunhões protestantes, parece desertar a Europa e procura, então, a América para ai fundar o seu sonhado Império Teocr&tico,

Octave Hamelin afirma que Descartes vem logo depois dos pensadores antigos, passando pela Idade Média como uma página em branco.

Mas em Descartes novamente a covardia homenageia o Absolutismo. As suas idéias claras e distintas, que a razão na-tural descobre em si mesma, repetem o conceito medieval de Deus — ser infinito, perfeito, todo-poderoso, criador do céu e da terra, que fez o homem à sua imagem e semelhança. A dúvida desaparece ao clarão das fogueiras da Inquisição. Mas per-manece o Cogito.

Vejamos o roteiro mental do Cogito. Data ele de Agosti-nho e tem a sua formulação completa no Cogito ergo sum, que um filósofo posteriormente encontrou. Sou pensado, ou melhor, sou objeto de cogitação, logo, existo.

Porque já está em Agostinho a inteira descoberta do Co-gito. Citemos, Hamelin, pág. 122 do Sistema de Descartes: “Porque no livro II, do Livre Arbítrio, Alipius disputando com Evodius e querendo provar que existe um Deus diz: Pri-meiramente a fim de que comecemos pelas coisas mais ma-nifestas, vos pergunto: se não existísseis não poderíeis ser en-ganado”.

Apesar das esquivas de Descartes, a quem Arnauld as-sinalou com Agostinho o encontro de idéias, é evidentemen-te um só o roteiro do Cogito. Eu duvido, logo, penso. Se pen-so, existo. Ao qual se pode juntar o texto de Descartes sobre o gênio maléfico: “Mas, há não sei o que de enganador, mui-to poderoso e muito astuto, que põe toda a sua arte em me enganar sempre. Ê, pois, sem dúvida, certo que existo se ele me engana”.

Com Descartes, por certo, se delineia o começo do mun-do moderno. O seu livro de apoio às teorias de Galileu fora por ele mesmo queimado. Mas o que importava era no meio das tintas, das palinódias e das fugas, fundar uma ciência sobre a validez da razão. Fica ainda como manifestação do incons-ciente de Descartes, aquela idéia do malin genie que o apro-xima tanto do pensamento primitivo.

Nunca se psicanalisou Descartes. O seu avance mas-qtié” devia ter chamado a atenção de críticos e analistas para o que -se oculta dentro da algaravia clássica do Discours de la Méthode. Primeiramente, o assunto e o título. O métòdo se-ria talvez a única maneira de se liquidar a loucura medieval, a loucura de Deus, a loucura servil de milhões de seres aba-fados pelo terror que a Igreja cultivava. Não há loucura me-tódica. Arranjar bem as idéias seria o cometimento básico para destruir o irracionalismo oriundo de Paulo, Plotino e Agos-tinho.

Duas afirmações ficaram de pé no meio da conversa mole do Discours de la Méthode: o Homem existe, é uma realidade. Esse Homem duvida, duvida de tudo, portanto, pode duvidar mesmo de Deus.

Sobre esse duplo pedestal ergueu-se a consciência mo-derna e por isso transcende da paternidade da ciência, a gló-ria de Descartes. No restante, Descartes, ao contrário de Spi-noza, ajoelha ante a imagem do arbítrio medieval que, pela pura liberdade de seu querer, criou o homem.

A Reforma havia quebrado a magia do Sacerdócio. Ela adotara o livre exame. A prosperidade nos negócios é um si-nal de eleição. O pastor tornou-se apenas um conselheiro pois que, por obra da graça, qualquer espertalhão pode ter o céu garantido. As seitas dividem-se, subdividem-se à vontade dos grupos. E cada um pode ter suas preferências de culto.

Cai das mãos do sacerdote o poder de julgar e condenar. Transferida a grande instância para Deus, tudo passa a ser caso de consciência. Qualquer mortal faz suas contas com o próprio Deus. E isso desentrava as iniciativas do capitalismo que prospera nos países reformados portadores de matéria-prima. O anglicanismo é uma teologia do tecido, depois do car- vão. Ê possível arrancar a mais-valia do proletariado indefe-so que nasce, sem quebra de moralidade.

Decaída de seu esplendor unitário, a Igreja de Roma vê a dissenção lavrar em seus reduzidos domínios. Foi-se o tem-po em que o Papa fazia parar Átila. Foi-se o tempo em que Inocêncio III condenava a Magna Carta e Gregório IX de-punha o imperador Frederico II. Foi-se o tempo em que Car-los V trocava o seu império pela estamenha do monge.

Os jesuítas formam ainda a vanguarda de Deus. Mas pro-vocam ferozes e obstinadas repulsas. Acusam-nos de dominar o Concilio de Trento que passou a ser considerado pelos pro-testantes um canclave não doutrinai e sim político, instrumen-to do Anticristor e de Satã.

Calvino declara mesmo que os concílios não podem jul-gar a palavra de Deus, mas que cabe a esta julgá-los. A pala-vra de Deus está na mão dos príncipes que podem definir o dogma. A reunião de Trento arrasta-se por cerca de vinte anos (1545-63), sem demover os protestantes da sua intransi-gência contra a unificação do culto. Em Calvino, o Sacerdó-cio se recupera da sua entrega ao Estado, decorrente das con-dições políticas da Alemanha luterana. O pastor que vai acom-panhar o desenvolvimento dos Estados Unidos mantém-se au-tônomo e se nega a ser instrumento.

Dentro da França trava-se, no princípio do século XVII a luta entre jansenistas partidários da graça e jesuítas partidá-rios das obras, conseguindo estes uma medíocre vitória. O Ilu-minismo, o Quietismo, Misticismo, enfim, abrçm caminho para o ócio, para a inatividade e para a fuga. Mesmo na militànda jesuítica surgem os alumbraaos. Alguns deles consideram os Exercícios Espirituais, de Santo Inácio, carrinhos de crianças destinados apenas a ensinar a caminhar.

Ê de Maine de Biran a seguinte exclamação: “O’ bom Fe-nelon, vem me consolar depois de uma leitura de Pascall Teus divinos escritos vão dissipar este véu de que o jansenista re-cobriu meu coração, como a doce púrpura da aurora expulsa as tristes trevas”.

Fenekra iria produzir Francisco de Sales em face da si-nistra volta à dádiva escrava e fatalista que deriva de Calvino, muito mais que de Agostinho. “Deus, espero-vos ser fiel por-que me destes a vontade de cumprir a vossa.”

Os “Exercícios de piedade para uso das religiosas do San-tíssimo Sacramento de Port-Royal”, vão muito além de uma técnica do amacáamento da vontade como são os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loiola. £ de novo a loucura de Deus. “Eu vos peço, Senhor, o poder de olhar de longe, os raios que se despejam de vossa face, para que eles me ajudem a marchar na profunda noite do meu banimento.” Estamos no apogeu da Negatividade.

Por um instante a França se viu ameaçada pela paixão jansenista, de mergulhar no irracionalismo pascaliàno.

Mais prático e mais frio nas suas intimidades com Deus o jesuíta se acomoda como quem, para os seus exercícios es-gotarem nele “os consolos, as lágrimas e o resto”, na frase de Bremond.

A sua ascese não o deixa desligar-se do solo em que enter-ra os pés ávidos de segurança e ae comando. £ sempre um soldado.

Ao lado das duas correntes que prometem ou calcinar a França ou acorrentá-la, produz-se a vitória da mediocridade afável, vinda de Francisco Sales. Um sorriso entre dois infer-nos. £ a média mística. A visitação dos doentes, a caridade, a instrução. Seu livro chama-se Introdução à Vido Devota. Vai ser mais feliz que os catecismos apocalípticos de Inácio e de Jansênio. Com Francisco de Sales, o Sacerdócio desce à rua, penetra nas casas, consola o doente e baixa as suas velhas pre-tensões intelectuais ante o pensamento livre dos enciclopedis-tas. Segue-o e ultrapassa o socorro anônimo de Vicente de Paula,

A polêmica da Ilustração se resente da idéia mecânica do mundo que Newton propõe. Quando não há ateísmo, é o Deus relojoeiro de Voltaire que aparece como ordenador do mun- Os pensadores ingleses aí vêm ter uma importância fun-damental no momento em que a revelação passa para um se-gundo plano e procura-se, enfim, legitimar a fé pela razão.

Começa-se a considerar o Cristianismo sob o $ngulo a-his-tórico. Sua moral é velha como o mundo. A religião é coisa natural.

Pela tese sensualista de Hume, a religião vem a ser uma questão de sentimento. E a lei de causalidade posta em xe-que, vai direto ferir o conceito de Causa Primeira.

Locke influi sobre Jean-Jacques Rousseau. Mas quem ex-prime o definitivo desacerto com o Cristianismo é Voltaire, para quem a “religião, quando não é loucura, é malandra-gem

No entanto, Voltaire integra a boa-fé desse grupo de adep-tos dum vago deísmo que chega até Mirabeau em plena Re-volução Francesa. Repercute de um modo razoável na Ingla-terra e na América. E o próprio Benjamin Franklin, sem dei-xar a severidade de sua posição decorrente dos compromissos ancestrais com a Nova Inglaterra, não deixa de participar des-se culto à razão que, afinal, não passa do culto a uma razão de classe, à razão burguesa. A luta contra os velhos precon-ceitos se estende. Na declaração da Independência aos Es-tados Unidos, anunciam-se “verdades evidentes ppr si”. “Aimez donc la raison!” Isso vem dar Boileau e a codificação até da poesia.

Há uma confusão onde entram, no conceito newtoniano do mundo, a religião natural, Thomás de Aquino, Cícero e Aris-tóteles. Mas trata-se de fato de fazer marchar o mundo. A ci-ência e a técnica procuram produzir na terra o céu longa e de-sanimadoramente prometido pelo Messianismo.

Kant derrama de suas teses a problemática do século XIX. Se, de um lado a Revolução Copemicana revigorando Platão assenta sobre o conceito as bases de todo idealismo, de outro lado, as suas antinomias abrem caminho para a dialética de Hegel. O conhecimento do mundo através da lei moral é a máscara ecumênica que coloca a política, a posição tomada e o interesse partidário, acima da realidade. Ao mesmo tem-po, o seu criticismo é fecundo de indagações. Nele, a razão vacila.

Mas é em Hegel que se desmascara o processo da Nega-tividade. Em Hegel historializa-se o progresso pela negação. Nos sistemas fechados do pensamento, Hegel introduz uma nova dimensão — o tempo. Prenuncia a Relatividade.

Abre-se o século XIX, episódico, oom a desdita de Pio VII. Por causa de um divórcio não consentido, Napoleão pren-de o Papa. Com a queda do Imperador parece que Roma des-cansa no seu velho prestígio. E a Santa Aliança. A Filosofia Positiva inicia nesse momento um denodo de exatismo que vai criar uma ciência nova — a Sociologia. E por toda a Eu-ropa o liberalismo ergue bandeiras e barricadas. Chega o ano marcante de 48. Nesse momento, aparece um dos maiores do-cumentos da História, o Manifesto Comunista, de Marx e de Engels. Como curiosa réplica, Pio IX é obrigado a fugir de Roma. E vemos no testemunho de Bachofen, ” Garibaldi, ves-tido de vermelho, sobre um cavalo branco, seguido de um preto** atravessar as ruas da Cidade Eterna, sob o delírio da multidão. Na década de 70, com pequeno intervalo, dois ou-tros grandes fatos se solidarizam. A Comuna e a perda pelo Papa da Civitas Leonina com a constituição do Reino da Itália.

O Sumo Pontífice é agora um prisioneiro na gaiola dou-rada do Vaticano. Um ressentido que inutilmente espera o dia seguinte.

Ao reacionário Pio IX que produzira o Silabus e fizera proclamar o dogma tardio da sua infalibilidade, sucede o sá-bio Leão XIII que produz a primeira encíclica social. Mas é o grande Papa que joga o Cristianismo num terrível impasse. Con-dena o socialismo.

Quando o século terminou, um filósofo americano, Josiah Royce, toma posição para salvar o Cristianismo. Entre a per-sonalidade do Homem-Deus, e o senso comunitário e social do Cristianismo, opta Royce, pela maior importância do últi mo. Cristo foi o estímulo. O que vale é o sentido ecumênico de seu ensinamento. A experiência cristã é social e não indi-vidual. O apóstolo Paulo seria o fundador da comunhão evan-gélica. Para Royce, o pecado original não é senão o conflito entre indivíduo e sociedade.

Como se vê, o Messianismo tende a seu fim. Bem longe de Royce, anterior a ele, oposto a ele, em Copenhague, apare-ce outro cristão atacado ae oposição à Igreja estabelecida. Sua vida é um imenso diálogo com o Deus da tradição, que ele começa chamando de “nosso inimigo mortal”. Dir-se-ia ouvir de sua boca, o grito de Jó: “Ahl se fosse possível ha-ver um árbito entre o homem e Deus!”

Na história da Negatividade, Sõren Kierkegaard se afir-ma como sujeito. Ele se insurge contra o que supõe eterna re-gra da vida. São apenas as leis do Patriarcado que o conduzi-ram ao desfecho que o fez reclamar da existência o milagre da “Repetição”. Viver para ele é viver na enfermidade mortal. Conhece que “o homem natural e a criança não sabem o que é horendo, mas o homem sobe e treme”. Dá medida do Patri-arcado.

As condições a que o mundo tinha atingido no apogeu da revolução industrial, encontraram seu grande analista. Foi KarI Marx. O Capital não é somente a teoria econômica que encerra ou o sonho político que propõe. É sobretudo a fixa-ção psicólogica e social das classes em luta. Para não recorrer-mos ao pai do socialismo científico, taxado de parcialidade, vejamos o que se passava no século XIX, através de um cató-lico de nossos dias, um escritor americano. No seu livro Ascen-são e Decadência da Burguesia, Emmet John Hughes repro-duz alguns depoimentos de trabalhadores, resultantes de um inquérito sobre a vida nas fábricas e nas minas, feito em 1832. Eis alguns trechos: “Com que idade começou a trabalhar na fábrica? — Oito anos. — Qual o horário que tinha? — De seis da manha, até às nove. — O que aconteceria se chegasse atra-sado? — Apanhava. — Nas fábricas há castigos corporais? — Sempre. — Ê difícil estar na fábrica sem ouvir um choro cons-tante? — Não passa uma hora sem isso”. O operário em segui da narra a infância: “Quando me levantava tinha tal apreen-são, que costumava correr e chorar por todo o caminho”. £ o depoimento de Mathew Crabtree”. Vejamos ainda o depoi-mento de uma moça de 17 anos, Patience Kershaw: “Todas as minhas irmãs trabalharam empurrando vagonetes, mas três foram para a fábrica. Alice, porque suas pernas inchavam de-vido a trabalhar em água fria quando estava com o corpo quente. Nunca fui à escola de dia; freqüento a escola aos do-mingos, mas não sei ler ou escrever; vou para o poço da mina às sete da manhã e volto às cinco da tarde; começo almoçando mingau e leite; levo o jantar comigo, um bolo, e vou comendo pelo caminho; não paro nem descanso para isso; nada mais tomo até voltar para casa e então como Datatas e carne, mas carne não é todos os dias. Trabalho com a roupa que trago neste momento, calças e casaco rasgado; caiu o cabelo no alto da cabeça, devido a empurrar vagonete; minhas pernas nunca incharam, como as de minhas irmãs quando foram trabalhar na fábrica; empurro os vagonetes uma milha mais, ida para baixo e volta; eles pesam trezentos CWT; faço isso onze vezes por dia; uso um cinto com corrente para puxar os vagonetes para fora; os escavadores para quem traoalho andam nus; exceto um boné, tiram toda a roupa; vejo-os trabalhando quan-do subo; às vezes eles me batem com as mãos, quando não ando depressa bastante; batem-me nas costas; os rapazes às vezes tomam liberdades comigo e pegam em mim, sou a úni-ca moça na mina; há cerca de vinte rapazes e quinze homens; todos homens nus; eu preferia trabalhar em uma fábrica e não numa mina de carvão .

Como se vê, não há exagero no que Marx escreve sobre a época da grande desapropriação das terras comunais ingle-sas, “quando os carneiros devoravam ds homens”.

Baseado numa empolgante documentação, Marx e En-gels traçam o novo evangelho que resulta daquele estorno ideológico, quando, no século XVI, se transfere para o êxito e a prestação de contas na terra, o que a humanidade ociden-tal alentada pelo Sacerdócio, supunha residir no céu.

Face à morada confortável do burguês e à sua vida faus-tosa, Marx coloca revolucionariamente o cortiço. Entre ambos a fábrica. £ tal a força profética desse Moisés que, como o outro, cai às portas da Terra Prometida, que imediatamente se fixam bases dogmáticas para a luta do proletariado. Ei-las: A) as leis, os costumes, a literatura, a filosofia são conseqüên-cias da estrutura econômica da sociedade. São a sua superes-trutura; B) é o próprio proletariado, oorno classe, que deve decidir de seus assuntos; C) a tomada do poder pelos traba-lhadores será uma ditadura de classe.

O novo Messianismo consolida-se. No fim da luta, dar-se-á a supressão do Estado. £ o próprio Stalin quem o de-clara na sua fogosa militánda: “O Estado se manterá ante o cerco capitalista. Extinguir-se-á se for liquidado esse cerco’1. Mas Marx falou: “Entre a sociedade capitalista e a socieda-de comunista, medeia o período da transformação revolucio-nária de uma na outra. A esse período corresponde também um período político de transição, cujo Estado não pode ser outro senão a ditadura do proletariado”.

As premissas de Marx vieram produzir a atualidade da URSS. £ que o estado de Negatividade, o segundo termo de Kojeve, que devia ser superado, consolidou-se no sectarismo obreiro. O operariado evoluiu, não é mais o que Marx fixou nas páginas lancinantes d ‘O Capital, não é mais o que chora nos depoimentos de Hughes, não é mais o que segundo a cons-tatação de padres católicos, fazia as costureiras de Paris mor-rerem depois de 36 horas consecutivas de trabalho. De ou-tro lado, produziu-se no desmoronamento da sociedade bur-guesa, uma imensa e crescente proletarização. Que é hoje o pro-letariado? Nas suas indefinidas fronteiras junta-se uma huma-nidade estuante que reclama a repartição da mais-valia. Se-ria esconder a realidade, afirmar que, fora da URSS, por meio das leis sociais, não se realiza um fenômeno ascensional de redistribuição dos lucros. Evidentemente, certos grupos de-tém ainda na mão privilégios abusivos. E contra isso se luta de todas as maneiras.’

Mas o mundo mudou. O que era Messianismo, fenômeno de caos na sucessão de crises de conjuntura que deu afinal a crise de estrutura do regime burguês, tornou-se sacerdócio empedernido e dogma imutável na URSS. Houve uma grosseira escamoteação do problema, Evoluída a classe trabalhadora, perdidos os seus contornos, a ditadura de classe se substituiu pela ditadura de partido. O fenômeno que deu o fascismo ins-talou-se no coração revolucionário da URSS e produziu o colap-so de sua alta mensagem.

No prenúncio atual de um novo Matriarcado, que se pro-cessa na crise do parentesco, onde quase ninguém mais pro-cura ser pai, esposo, filho — o marxismo militante fixou-se no setor da propriedade. O Estado que se reforçara para se extinguir, prolonga e fortalece os seus arsenais armados, no argumento, sem dúvida exato, de que luta contra o imperia-lismo.

O marxismo militante engajou-se na economia do Haver (Patriarcado) escapando às injunções históricas da economia do Ser (Matriarcado).

E na alienação, no dinheiro, na filosofia do dinheiro, pros-segue dentro da atualidade russa, o surto enunciado pela eco-nomia do renascentismo. O Estado assume a idolatria do di-nheiro. E para ligar com férreas ataduras policiais a massa su-focada, dentro £ fórmula áspera de Paulo, “quem não tra-balha não come”, utiliza a lógica de Aristóteles e a metódica de Sorel, dentro da cortina de ferro de seus limites geográficos e políticos.

Supunha-se que, díaleticamente, depois da tese — burgue-sia — e da antítese — proletariado — viesse a síntese que seria uma ligação prática eiítre o comunismo e as classes progressis-tas da burguesia. Isso se dera para ganhar a guerra com a Conferência de Teerã. De Stalin, novo Júlio César, o homem da espada e do livro, esperava-se a acomodação dialética. Ele soubera demonstrar contra Trotski, que um Estado Socialista podia subsistir ao lado do mundo burguês. Seu delegado nos Estados Unidos, o escritor Earl Browder, durante 15 anos se-cretário do Partido Comunista Americano, apontava a dire-

ção a seguir. Trazer para a paz a mesma aliança que ganha-ra a guerra. No seu livro intitulado Teerã, indicava a síntese das forças políticas vitoriosas. Que sucedeu, no entanto? Em pouco tempo, a “doença infantil do comunismo” recrudesceu e tomou conta do corpo místico da militância soviética. Sta-lin, que num último ato de coerência havia dissolvido a III Internacional, permaneceu inerte ante a reconstitui ção do Par-tido Comunista Americano que Browder conseqüentemente liquidara. E o próprio Browder se via expulso da sua antiga organização.

Stalin não era o mesmo. Prisioneiro ou não do Politburo, traíra a dialética da História de que fora ativo mensageiro.

O novo Messianismo deixara a sua fase de recuperação psíquica, originado, como sempre, na depressão das massas e no caos social, e entrava na sua fase dogmática. Era o último avatar dos sistemas disciplinares que haviam domado o mun-do cristão. Em vez da síntese esperada entre a burguesia pro-gressista e o comunismo, outra se processava dentro dos um-brais ideológicos da unss — a síntese entre a Reforma e a Con-tra-Reforma. Santo Inácio e Lutero davam-se as mãos no “A-B-C” de Bukharin. “É a vontade divina que decide se um ato é bom ou mau” — escrevia o monge da Reforma. Agora era o Partido que decidia, impondo o Perinde ac cadaver a seus catecúmenos. Sob o signo da ação, os novos legislados per-diam todo contato com crítica e autocrítica e, sem perceber, mergulhavam nos domínios da Ontologia, da Apologética e da purificação pelo expurgo.

Lênin já declarara o seu horror a qualquer ceticismo. Nas suas mãos triunfais, o marxismo deixa de ser método para ser transcendência. Está criada, pelos seus sequazes a metafí-siva proletária.

Não é a-to a que Jean-Paul Sartre denuncia como opera-ção idealista e redução de espírito à matéria na teoria marxis-ta-leninista.

Quem poderia prever, quem ousaria sonhar que o Messia-nismo em que se bipartiu a religião do Cristo (Reforma e Con tra-Reforma) iria medrar no terreno sáfaro das reivindicações materialistas do mandsmoP Uma pequena correção no texto dos Exercidos Espirituais dariam esta proclamação comunista: “minha vontadífe conquistar os povos que estão sob o domí-nio da burguesia. Oue lutem todos como eu para que depois dos sofrimentos venham as festas da vitória”. No fundo, rerul-ge a promessa messiânica.

Pelas condições históricas do progresso técnico e social, o trabalhador deixou de ser o pilar das teses românticas de Marx. Mas a autocrítica desapareceu. Toda a crítica naufra-ga no sectarismo. O perfeito militante é o mesmo boneco fa-risaico do puritanismo — socrático ou americano — que se apre-sentou ao mundo para edificá-lo, pedante, cretino, faccioso. E não seria mais estranho ouvirmos uma noite, pela boca univer-sal da Ródio-Moscou, que foi proclamado o Dogma da Imacu-lada Revolução.

Se Lorca foi assassinado em Granada, Maiakovski suici-dou-se em Moscou. São os imperativos da ação, explicam os justificadores dos regimes de terror.

Agora, o dever de todo bolchevique não é mais ser inter-nacionalista, é ser patriota. Quem informa é Andrei Jdanov, o Torquemada vermelho, num congresso que reuniu a fim de desmoralizar o velho professor de Filosofia, Alejandrov. O cri-me a este imputado é o de ser “objetivo” no seu manual des-tinado às classes superiores. Decorre que, depois da consoli-dação da unss, há uma “mecânica celeste reacionária” e uma “genética capitalista”.

Jdanov celebrizou-se pela condenação que impôs, como secretário do Partido Bolchevista, a alguns dos maiores com-positores do século, entre os quais Chostakovitch e Prokofiev. O filisteu acusava-os de serem apaixonados por combinações caóticas de sons que produzem cacofonia. A sua música seria feita de barulhos discordantes que ferem o ouvido. Numa re-solução do Partido, essa música, declara-se, lembra a música, burguesa contemporânea da Europa e da América e, por conseguinte, não presta. Ê com a ópera italiana que se vai sal-var o mundo.

Ao contrário dos músicos, os pintores da UBSS, pelos seus líderes modernistas, (oram mais felizes. O engenheiro Sajeve, na luta contra o naturalismo que o Partido procurava impor, afirmou que “se podem exprimir idéias não só pelo assunto, mas pela própria pintura”. E o célebre escultor Mukhina, de-clarou: “A arte nasce de uma concepção emocional do mundo que é a do artista”.

Se a arte na UBSS sofrerá restrições e debates, a Ciência teve o seu processo, quando Lissencko fez a conhecida inter-venção no campo da Genética, na Academia Lênin das Ciên-cias Econômicas, em 1948.

A atitude do presidente dessa Instituição moscovita, foi nitida e ameaçadora. Acusou nada menos a “genética reacio-nária” de idealismo, dizendo que ela proclama “uma maté-ria hereditária imortal governando o corpo perecível, mas não nascendo dele.”

£ fácil identificar aí o velho esperma cósmico dos neo-platônicos, o pneuma, o plasma de Paracelso, a matéria imor-tal de Spinoza, enfim, um conceito de Filosofia clássica que não traz em si implicações metafísico-reacionárias e que vem dar tanto Mendel como Dacqué. Mas o Partido sente-se amea-çado pela rigorosa exatidão aas teses mendelistas. Elas podem conduzir à sua idéia da imortalidade da alma e de Deus!

Não há compromisso algum com o velho Messianismo imortalista na doutrina de Mendel e do biólogo americano Morgan. Ao contrário, quem se compromete é Lissencko, quan-do afirma espantado que “os morganistas-mendelistas, seguin-do Weismann, partem da idéia de que geneticamente os pais não são pais de seus filhos. Acreditar em sua doutrina é afir-mar que pais e filhos são irmãos e irmãos”.

Está definida aí toda a essência do Patriarcado. A posi-ção de Lissencko é rigorosa. Pai tem que comparecer mesmo. Quando o mendelismo vem formular a identidade existencial e biológica do parentesco humano, Lissencko, brigadeiro da genética patriarcalista, cora e reage.

À intervenção espetacular de Lissencko na defesa de sua tese, não faltaram as denúncias e delações de companheiros, os “risos”, as “tempestades de aplausos”, enfim, o policialis-mo e a espetacularidade que ficamos conhecendo com o jascio. É pois no coração da unss e mais no coração da ciência sovié-tica, que foi se ocultar como um plagelado esse resíduo parasi-ta do patriarcalismo messiânico.

A Metafísica está nas fábricas. Eis a exata posição ideo-lógica da URSS. E fora dos seus limites, assiste-se a um teimo-so esforço para a revalidação das vencidas soluções do Patri-arcado.

Não passa de um embuste a axiobgia que reconduz o mundo a Deus, supremo Valor. Toda a hierarquização que se tenta através da Filosofia dos Valores, constitui posição toma-da e obedece ao surrado esquema das Idéias platônicas que têm como vértice o Bem. Surge de novo a escamoteaçãio do problema do Mal que o dualismo masdaista da Pérsia ti-nha levado ao seio das heresias gnósticas. Se a Grécia tives-se sido derrotada em Salamina, talvez fosse diverso o destino ideológico do mundo.

O que se tenta pelas formas audazes ou dissimuladas da filosofia contemporânea é restaurar, através do existencia-lismo, da axiologia, da fenomenologia e mesmo do marxismo-leninismo, o Ser como tal em seu trono absolutista.

O Ser como tal, o grande impostor da velha Metafísica, está no fundo da redução eidética de Husserl. Se não dermos à moderna fenomenologia o valor apenas metodológico que ela tem, estamos de volta a todas as formas de exaltação do con-ceito de Ser, de Parmênides. O que é apenas coordenada, mo-mento estável de uma simples relação ae movimento, passa a ser transfigurado em motor-imóvel. Em vez de se colocar sim-plesmente entre parêntesis o mundo fático para se trabalhar com a essência, transmuta-se esta em Ser necessário e ante rior, vindo-se a contribuir, assim, para uma última reencarna-çâo do Idealismo.

Como se vê, Husserl acaba reeditando a pedra angular de conservantismo assim enunciada pelo Cristo: “Não vim para derrogar a lei e sim para confirmá-la”.

Eis como ele prossegue dando um fecho de ouro às suas Meditações Cartesianas: “A fenomenologia não diz que pára diante das últimas questões, as mais ates” “O Ser primeiro em si, que serve de fundamento a tudo que há de objetivo no mundo, é a intersubjetividade transcendental, a totalidade das mônadas que se unem nas formas diferentes de comuni-dade e de comunhão”.

O grande doutor da Igreja, Santo Agostinho, é afinal quem diz a última palavra das Meditações de Husserl, agora em defesa da intuição: “/n interiore hominem habitai veritas”.

Como Joseph K., o personagem d’0 Processo, de Kafka, estamos ante os esbirros matinais que querem nos reconduzir ao velho mito da Caverna platônica.

Deixemos, porém, a fenomelologia para ver de fase o Exis-tenciaüsmo, na sua aparição ortodoxa ae subjetividade pura.

O primeiro cuidado será situar a subjetividade pois a subjetividade também carrega a sua história. Há uma subje-tividade no Matriarcado, diversa da que aparece, com a for-ça de uma reivindicação fundamental, nas primeiras horas da corrupção dò regime paternalista, em Soren Kierkegaard.

O Existenciaiismo recolocou o homem na sua ansiedade ancestral. E isso basta. Tanto a equação Tempo e Ser, o es-tar para a morte, o naufrágio de Jaspers como a tensão de Sartre ante a Negatividade, tudo recoloca o homem no meri-diano da devoração.

A psicanálise custou a compreender que era preciso ata-car o Superego paternalista. Durante muito tempo as soluções apresentadas pela escola de Freud não viram senão nos remé-dios negativos do Eu (recalque, regressão, anulação e isola-mento) como nas formas masoquistas (volta contra si mesmo, transformação no contrário) a maneira de liquidar os confli-tos internos do homem histórico.

Começou-se enfim a compreender que o Superego tam-bém podia estar errado. Do mau acolhimento dado aos direi-tos do instinto submetidos que estavam às disposições disci-

SHnar da Moral de Escravos, passou-se a uma fase psicana-tica em que se procurou legalizar o homem natural que re-sistia, por meio ae neuroses e estados de ficção, às injunções seculares do socratismo ocidental

Chamamos estados de ficção aos distúrbios e alienações em que se entoca e desenvolve o Eu agredido pelo ambiente. Histeria, paranóia, vdelírios de ciúme e de religião, ausências, tudo passa a ser nas mãos do Eu poeta, do Eu romancista, do Eu moralista, desenvolvidos no trauma, tonas da deriva-ção da doença. Se recorrermos à História veremos como esses estados princepes, produzidos em geral nas personalidades for-tes, promovem outros que chamaremos estados de espelho e dai a extensão de grupos contagiados e multidões passivas. Que é a crônica do Monaquismo oriental como ocidental, desde à ascese bràmane até o anacoretismo autoflagelador, ou os fartos refúgios do ócio que vieram a ser os conventos, que é a vida solipsista claustral e ceHbatária, senão um código de fenômenos de defesa nas abominações do Patriarcado?

Para que se tivesse uma perfeita discriminação desses ma-les históricos que se podem curar oom uma mudança de meio ou de atitude social — seria -curioso recorrer ao exame dos possíveis pathos e fobias do Matriarcado através de documen-tário e folclore, como da exegese culta. Nenhum sentido, por exemplo, teria num regime matriarcal o que os freudistas cha-mam de “complexo de castração”, pois nenhuma diminuição pessoal da mulher traria a constatação dela possuir um sexo diverso do homem. Somente a idéia de domínio do irmão — invenção patríarcalista — poderia, numa já complexa fase psí-quica, trazer à criança qualquer ligação do fenômeno domés-tico de preponderância com o fato fáHco. Seria necessário re-visar Freud e seu epígonos despindo-os, em rigorosa psica nálise, dos resíduos vigentes da formação cristã-ocidental de que todos derivaram. A importância catastrófica atribuída a Don Juan, numa tribo poligâmica seria ridícula. Don Juan é uma criação do Patriarcado. tJm forte organismo de agressão nos domínios do pecado contra a herança e a legitimidade. Todas as suas vítimas do período econômico-moral da Re-nascença e do Romantismo, seriam hoie, na América, vulga-res divorciadas, usando, é claro, métodos anticoncepcionais e solidões de arranha-céu.

Evidentemente o freudismo se ressente dos resíduos de sua formação paternalista. Falta a Freud e a seus gloriosos sequazes, a dimensão Bachofen. Eles não viram que suas pes-quisas se limitavam e sua interpretação se deformava, na pau-ta histórica do Patriarcado.

O padrão pedagógico do Ocidente venha de Fénelon ou de Jean-Jacques, dá sempre, em qualquer casa, em qualquer família constituída, a educação do príncipe.

Numa sociedade, onde a figura do pai se tenha substi-tuído pela da sociedade, tudo tende a mudar. Desaparece a hostilidade contra o pai individual que trás em si a marca na-tural do arbítrio. No Matriarcado é o senso do Superego tri-bal que se instala na formação da adolescência..

Numa cultura matriarcal, o que se interioriza no adoles-cente não é mais a figura hostil do pai-individuo, e, sim, a imagem do grupo social.

Nessa confusão que o Patriarcado gerou, atribuindo ao padrasto — marido da mãe — o caráter de pai e senhor, é que se fixaram os complexos essenciais da castração e de Édipo.

Simone de Beauvoir, no Deuxième Sexe, esse evangelho feminista que se coloca no pórtico da nova era matriarca!, es-creveu: “Ce ríest pas la libido féminine qui divinise le père”. Ê na luta doméstica com a mãe e depois na luta com o am-biente, que cresce a divinização possível do pai como socor-ro, poder moderador e alento sentimental. Fenômeno do Pa-triarcado.

No estudo dedicado à Psicanálise, a grande escritora cita Freud perplexo no seu estudo sobre Moisés, ante a soberania do pai na História do Homem. Evidentemente, o criador da Psicanálise não deu atenção especial à Revolução do Patriar-cado.

Percorremos assim em larga escala as posições atuais do Messianismo. Secularizado por Lutero, ele foi vítima da as-censão da bruguesia ocidental, na sua grande expressão teo-cêntrica —.o Papado. .Mesmo o protesto que mantinha preso no Vaticano o sucessor de Pio IA, se desmanchou numa ope-ração de contabilidade.

“Todo animal é um manequim indeformável de uma cer-ta forma de honra” disse Ciraudoux. Eis o começo da dig-nidade do ereto, que com dignidade aspira ao ócio. Cícero já reivindicava — otium cum digrütate.

O homem, o animal fideista, o animal que crê e obede-ce, chegou ao termo do seu estado de Negatividade, às portas de ouro de uma nova idade do ócio. Nela não se propõe o pro-blema da liberdade. Esta só existe como reivindicação, quancb o homem passa a escravizar o próprio homem, a negar-se como Ser determinado por ela, a liberdade, isto é, no Patriarcado. Aí, ela é a consciência da necessidade. No vocabulário da ser-vidão ela é a humana tendência do retomo ao justo que é o natural

Schopenhauer disse que, só na união de todas as vonta-des numa só vontade, pode existir ética. Ê verdade. Fora dis-so, há éticas de classe, desde Aristóteles. No mundo sem clas-ses que se procura atingir, a ética e a eqüidade substituirão as deformações interessadas do Direito Positivo.

O inexplicável para críticos, sociólogos e historiadores, muitas vezes decorre deles ignorarem um sentimento que acompanha o homem em todas as idades e que chamamos de constante lúdica.

O homem é o animal que vive entre dois grandes brin-quedos — o Amor onde ganha, a Morte onde perde. Por isso, inventou as artes plásticas, a poesia, a dança a música, o tea-tro, o circo e, enfim, o cinema.

Ainda uma vez hoje se procura justificar politicamente as artes, dirigi-las, oprimi-las, fazê-las servirem uma causa ou uma razão £ Estado. Ê inútil A arte livre, brinco e problema emotivo, ressurgirá sem-pre porque sua última motivação reside nos arcanos da alma lúdica.

No imenso combate contemporâneo, os Estados Unidos são acusados de dois crimes. A acumulação capitalista — que, numa época avançada como a nossa, é inexplicável —, nas mãos de alguns privilegiados e o imperialismo, de cujas formas agrestes, na verdade, se despojou. Mas, sem dúvida, é na América que está criado o clima do mundo lúdico e o clima do mundo técnico aberto para o futuro.

A descristianização da vida, segue-se a descristianização da morte. Procura-se na América levar às últimas conseqüên-cias a concepção estóica do primitivo ante a morte, considera-da ato de devoração pura, natural e necessário. Já existem as casas serenas para onde se conduz o extinto entre jardins flori-dos, absolutamente libertos da austeridade funerária do passa-do. Qualquer recém-vindo a uma cidade que pretenda habi-tar, recebe não só a caderneta do empório como a proposta de pagamento à prestações, de seu próprio enterro. Todo o apa-rato horrífico da morte cristã, que prenunciava o terror do Juízo Final, toda a plástica funerária do Cristianismo que en-treabria as portas do inferno sob altares e tocheiros, desapare-ce ante o mundo lúdico que se anuncia.

Trata-se de procurar soluções paralelas ao primitivismo como n’A Revolução dos Gerentes, de James Burnnam, A téc-nica trouxe, é claro, uma nova dimensão ao mundo em mu-dança.

Um filósofo como Karl Jaspers não compreende o que sig-nifica, para a massa democrática que soJ>e, o esporte, o re-cordismo, a glória de Tarzan e a glamour girl Não compre-ende que o mundo do trabalho, graças à técnica e ao progres-so humano, passa os encargos sociais para a máquia e procura realizar na terra o ócio prometido pelas religiões no céu.

Uma filosofia do êxito contrapõe-se à filosofia do deses-pero, brotada do seio hamlético de Soren Kierkegaard. Esta não passa além das fronteiras da burguesia culta que, cons-tatando a mediocridade do cotidiano na sua frustração de clas-se, opina pela angústia como solução e pelo projeto como ideal.

A nossa tese afirma:

1.°) Que o mundo se divide na sua longa História em: Matriarcado e Patriarcado.

2.°) Que correspondendo a esses hemisférios antagônicos existem: uma cultura antropofágica e uma cultura messiânica.

3.°) Que esta, dialeticamente, está sendo substituída pela primeira, como síntese ou 3.° termo, acrescentada das conquis-tas técnicas.

4.°) Que um novo Matriarcado se anuncia com suas formas de expressão e realidade social que são: o filho de di-reito materno, a propriedade comum do solo e o Estado sem classes, ou a ausência de Estado.

5.°) Que a fase atual do progresso humano prenuncia o que Aristóteles procurava exprimir dizendo que, quando os fusos trabalhassem sozinhos, desapareceria o escravo.

6.°) Que, sob o aspecto dissimulado ou não da seculari-dade, a filosofia comprometida com Deus nunca deixou de ser messiânica.

7.°) Que a URSS exprime um pequeno anseio da grande revolução do parentesco que se realiza com o advento do novo Matriarcado. A sua revolução se concentra numa ênfase — a db setor da propriedade.

8.°) Que, ao lado disso, a unss, levada pela mística da ação, perdeu o impulso dialético de seu movimento, enquistando-se numa dogmática obreirista que lembra, em síntese, a Re-forma e a Contra-Reforma.

9.°) Que isso exprime o último refúgio da Filosofia mes-siânica, trazida do Céu para a terra.

10.°) Que, face à concepção histórico-coletivista de M,arx, o Existencialismo exprime um momento alto da Subjetividade, aquele em que o indivíduo se historializa como consciência e como drama. No Patriarcado.

11.°) Que só a restauração tecnizada duma cultura antro-pofágica, resolveria os problemas atuais do homem e da Filo-sofia. ,

12.°) Que A Revolução dos Gerentes, de James Burnham, lembrando a gerontocracia da tribo, oferece o melhor esque-ma para uma sociedade controlada que suprima pouco a pouco o Estado, a propriedade privada e a família indissolúvel, ou sejam, as formas essenciais do Patriarcado.

13.°) Que o homem, como o vírus, o gen, a parcela míni-ma da vida, se realiza numa duplicidade antagônica, — benéfica, maléfica — que traz em si o seu caráter conflitual com o mundo.

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[1]  É uma triste impostura essa que procura Isentar a filo-sofia crente de seus compromissos messiânicos. São Tomás que tanto trabalhou para Isso, admitia, no entanto, o conhecimento através dos sentidos e não é pelos sentidos que se revela. “As coisas sensíveis não podem conduzir nossa inteligência a ver ne-las o que é a substância divina.” Só a revelação de fato decidida.

Professor da Universidade Federal do Oeste da Bahia - Ufob. Realizou doutorado em Comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, na Linha de Pesquisa Cultura e Significação. Jornalista de formação, é mestre em Comunicação pela Unisinos, onde também realizou a especialização em Filosofia.

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