Imagem do planeta terra vista a 4 bilhões de quilômetros de distância, ao cruzar Saturno.
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O pálido ponto azul, de Carl Sagan

rico machado

O humano é um ser amarrado às teias de significados que ele mesmo teceu, habitando um grão de poeira cósmica na vastidão do universo. Minha síntese vulgar que une o antropólogo Clifford Geertz e o físico Carl Sagan dão a ver, ao mesmo tempo, a grandiosidade e insignificância de nossa espécie.

Nossa única saída é darmos outros significados à existência humana, talvez reconhecendo nossa absoluta irrelevância cósmica para que possamos ver o mundo no mundo. A astronomia mostra a escala infinitesimal de nossa pueril vaidade existencial. A antropologia (e as ciências humanas em geral) busca explicar a origem de uma origem que se perdeu, mas que justamente tece a trama de nossa existência.

Recorro a esses argumentos para pensarmos o fundamental papel da educação integral, a despeito do assédio utilitarista neoliberal que buscar reduzir o ensino ao desenvolvimento de “competências”. Nem sempre em sala de aula, quando se pensa para além da dimensão superficial das coisas, é possível capturar a atenção de estudantes ávidos pela dopamina constante que as redes sociais nos oferecem. Mas é importante, como me dizia Marisol Sena em uma conversa nesta manhã, reencantar a educação e exercitar, tal como propôs Eduardo Galeano, sentipensar. É fundamental ser capaz de perceber “O pálido ponto azul” na imensidão do cosmos.

O pálido ponto azul

A espaçonave estava bem longe de casa. Eu pensei que seria uma boa ideia fazê-la dar uma última olhada em direção de casa, logo depois de Saturno.

De Saturno, a Terra parecia muito pequena para a Voyager apanhar qualquer detalhe. Nosso planeta seria apenas um ponto de luz, um “pixel” solitário, dificilmente distinguível de muitos outros pontos de luz que a Voyager avistaria: planetas vizinhos, sóis distantes… Mas, foi justamente por causa dessa imprecisão de nosso mundo, assim revelado, que valeria a pena ter tal fotografia.

Já havia sido bem entendido por cientistas e filósofos da antiguidade clássica, que a Terra era um mero ponto de luz em um vasto cosmos circundante, mas ninguém jamais a tinha visto assim. Aqui estava nossa primeira chance e talvez, a última nas próximas décadas.

Então, aqui está  um mosaico quadriculado estendido em cima dos planetas e um fundo pontilhado de estrelas distantes. Por causa do reflexo da luz do Sol na espaçonave, a Terra parece estar apoiada em um raio de sol. Como se houvesse alguma importância especial para esse pequeno mundo, mas é apenas um acidente de geometria e ótica.

Na escala dos mundos, humanos são irrelevantes, uma fina película de vida em um obscuro e solitário torrão de rocha e metal

Carl Sagan

Não há nenhum sinal de humanos nessa foto. Nem nossas modificações na superfície da Terra, nem nossas máquinas, nem nós mesmos. Desse ponto de vista, nossa obsessão com nacionalismo não aparece em evidência. Nós somos muito pequenos. Na escala dos mundos, humanos são irrelevantes, uma fina película de vida em um obscuro e solitário torrão de rocha e metal.

Considere novamente esse ponto. É aqui. É nosso lar. Somos nós. Nele, todos que você ama, todos que você conhece, todos de quem você já ouviu falar, todo ser humano que já existiu, vivem ou viveram suas vidas.

Imagem do planeta terra vista a 4 bilhões de quilômetros de distância, ao cruzar Saturno.
Fonte: Imagem Nasa/Sonda Voyager. A imagem foi enviada à Nasa entre março e maio de 1990.

A totalidade de nossas alegrias e sofrimentos, milhares de religiões, ideologias e doutrinas econômicas, cada caçador e saqueador, cada herói e covarde, cada criador e destruidor da civilização, cada rei e plebeu, cada casal apaixonado, cada mãe e pai, cada criança esperançosa, inventores e exploradores, cada educador, cada político corrupto, cada “superstar”, cada “lider e supremo”, cada santo e pecador na história da nossa espécie vive ou viveu ali, em um grão de poeira suspenso em um raio de sol.

Na escala dos mundos, humanos são irrelevantes, uma fina película de vida em um obscuro e solitário torrão de rocha e metal

Carl Sagan

A Terra é um palco muito pequeno em uma imensa arena cósmica. Pense nas infindáveis crueldades infringidas pelos habitantes de um canto desse pixel, nos quase imperceptíveis habitantes de um outro canto, seus frequentes mal-entendidos, em suas ânsias por se matarem e o quão fervorosamente eles se odeiam. Pense nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores, para que, em sua glória e triunfo, eles pudessem se tornar os mestres momentâneos de uma fração de um ponto. Nossas atitudes, nossa imaginária auto-importância, a ilusão de que temos uma posição privilegiada no Universo, é desafiada por esse pálido ponto de luz.

Na nossa obscuridade, em toda essa vastidão, não há nenhum indício de que possamos ter  ajuda  para nos salvar de nós mesmos. A Terra é o único mundo conhecido até agora que sustenta vida

Carl Sagan

Nosso Planeta é um espécime solitário na grande e envolvente escuridão cósmica. Na nossa obscuridade, em toda essa vastidão, não há nenhum indício de que possamos ter  ajuda  para nos salvar de nós mesmos. A Terra é o único mundo conhecido até agora que sustenta vida. Não há lugar nenhum, pelo menos no futuro próximo, no qual nossa espécie possa migrar. Visitar talvez, se estabelecer, ainda não. Goste ou não, por enquanto, a Terra é onde estamos estabelecidos.

Ela enfatiza nossa responsabilidade de tratarmos melhor uns aos outros, e de preservar e estimar o único lar que nós conhecemos

Carl Sagan

Foi dito que a Astronomia é uma experiência que traz humildade e constrói o caráter. Talvez, não haja melhor demonstração das tolices e vaidades humanas que essa imagem distante do nosso pequeno mundo. Ela enfatiza nossa responsabilidade de tratarmos melhor uns aos outros, e de preservar e estimar o único lar que nós conhecemos… o pálido ponto azul.

Professor da Universidade Federal do Oeste da Bahia - Ufob. Realizou doutorado em Comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, na Linha de Pesquisa Cultura e Significação. Jornalista de formação, é mestre em Comunicação pela Unisinos, onde também realizou a especialização em Filosofia.

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