Tunel de cores em tecido
Comunicação,  Entrevistas

“A política moderna não tem mais sentido”. Entrevista especial com Michel Maffesoli

rico machado | Entrevista publicada orginalmente no IHU em 23/4/2014

“A política tal como se caracterizava essencialmente em termos de projeto racional não existe mais. Ao contrário disso, há um ressurgimento do emocional”, diz Michel Maffesoli à IHU On-Line, em entrevista concedida pessoalmente, quando esteve na Unisinos participando do Ciclo de Conferências 2014A “questão pós” nas Ciências Humanas, organizado pelo PPG em Ciências Sociais da universidade. Para ele, as recentes manifestações dos jovens brasileiros e dos indignados de Madri, “mostram que não se inserem mais na perspectiva política habitual e que neles há, ao contrário, uma invasão da dimensão emocional”, avalia.

Partindo de uma interpretação sociológica fenomenológica, Maffesoli diz que desde os anos 1980 assiste-se ao fim da modernidade e ao início da pós-modernidade. Apesar de ser “sempre difícil falar em pós-”, o sociólogo francês chama a atenção para a existência não de um pensamento linear, mas de ciclos ou épocas que retornam. “Temos dificuldade de pensar que possa haver ciclos. Mas minha hipótese é de que os ciclos retornam, ou as épocas retornam. (…) Por um movimento de pêndulo, que nos remete justamente aos ciclos, percebemos que o importante hoje é o ventre, isto é, o emocional, as emoções, e não o racional.”

Michel Maffesoli leciona na Sorbonne – Paris V, é secretário geral do Centre de Recherche sur l’Imaginaire e membro do Comitê Científico de revistas internacionais, como Social Movement Studies e Sociologia Internationalis. É vice-presidente do Institut International de Sociologie (IIS), fundado em 1893 por René Worms, e membro do Institut Universitaire de France (IUF). É autor de inúmeros livros importantes para a compreensão da mutabilidade social moderna e pós-moderna, como A contemplação do mundo (Porto Alegre: Artes & Ofícios, 1995); A transfiguração do político: a tribalização do mundo (Porto Alegre: Sulina, 1997); e Moderno e pós-moderno (Rio de Janeiro: UERJ, 1994).

Retrato de Michel Mafesolli
Michel Mafesolli (Imagem: Reprodução PUCRS)

Confira a entrevista.

a} Como o senhor vê o uso do prefixo “pós-” nas diversas discussões nas áreas das Ciências Humanas? Quais são os indícios que o fazem perceber o grande ciclo da pós-modernidade a partir dos anos 1980?

Michel Maffesoli – É sempre difícil falar em “pós-”, porque nosso esquema de pensamento é linear, ou seja, como a grande filosofia hegeliana da história. Assim, temos dificuldade de pensar que possa haver ciclos. Mas minha hipótese é de que os ciclos retornam, ou as épocas retornam. Na verdade, a palavra “época”, em grego, significa parêntese.

Então, abre-se e fecha-se um parêntese. Penso que, atualmente, está terminando – desde antes dos anos 1980, já nos anos 1960 – a época moderna, que se iniciou no século XVII. Estamos assistindo ao fim dessa época e ao nascimento de outra, a qual nós não podemos nomear hoje por não termos palavras apropriadas, então usamos o prefixo “pós-” para expressar o que vem após a modernidade.

a} Ao falar da pós-modernidade, o senhor diz que “não é mais o futuro que importa, e sim o presente”. Essa proposição se aplica a todos e em todos os sentidos?

Michel Maffesoli – Faço a hipótese de que, em cada ciclo, acentua-se um elemento da temporalidade. A característica moderna primordial é o futuro, enquanto a característica temporal principal atualmente é o presente. É o que eu chamo de presenteísmo. Este presenteísmo, é claro, corresponde a uma ambiência geral. Insisto na ideia de ambiência geral, mas isto não quer dizer que todo mundo viva só no presente. Sempre há aqueles que pensam em função do futuro; outros, tradicionalistas, pensam em função do passado… Mas digamos que a ambiência atual enfatiza o presente. Um indício interessante sempre pode ser encontrado junto às gerações jovens, na medida em que elas representam o que está nascendo. Observamos que, para elas, é o presente que está em ênfase, ou seja, há um resgate da fruição.

a} O que significa dizer que a pós-modernidade é histérica?

Michel Maffesoli – É um modo de falar. Quero dizer com isso que, a partir do século XVII, o cérebro passou a ser importante: Descartes, com o cartesianismo, e toda a filosofia do século XVII. Mas, por um movimento de pêndulo, que nos remete justamente aos ciclos a que me referi antes, percebemos que o importante hoje é o ventre, isto é, o emocional, as emoções, e não o racional. É por esta razão que a palavra “histérico” – não numa acepção pejorativa – mostra a importância do útero, isto é, do ventre. Em grego, hysterus é o ventre.

Tento dizer, então, de maneira um tanto provocativa, que nas diversas manifestações da vida social não há simplesmente a racionalidade, e sim as emoções, as paixões. É interessante observar que, em grandes encontros esportivos, há histeria: Grêmio x Internacional, por exemplo, suscitam histeria (riso); a copa do mundo vai ser histérica; as grandes reuniões musicais, etc. Em outras palavras, o político, o econômico, o social podem ficar totalmente marginalizados em proveito da histeria esportiva ou da histeria musical. O laço social deixa de ser então simplesmente racional para se tornar um laço emocional.

a} Por que o senhor vê o Brasil como um laboratório da pós-modernidade?

Michel Maffesoli – Há justamente a dimensão do culto do corpo, a importância do presente e o elemento comunitário, o “nós”. Não é somente o individualismo – como o grande individualismo europeu. Ao contrário, é a tribo. Vemos a importância das tribos urbanas. São essas três grandes características que encontramos no Brasil, como também em alguns outros países do mundo.

a} Que críticas poderíamos fazer à pós-modernidade?

Michel Maffesoli – Não desenvolvo um pensamento crítico. Não posso dizer se a pós-modernidade é algo bom ou ruim. Meu trabalho é fazer uma fotografia, uma constatação. Assim como também não posso julgar se a modernidade foi boa ou ruim: tivemos os valores modernos, que foram valores importantes. Eu apenas constato agora que existem valores pós-modernos.

Portanto, não posso emitir críticas, a atitude crítica não é a minha função. Minha sociologia é fenomenológica, ou seja, descrevo os fenômenos e, depois, cabe a cada um, cabe a vocês, ou cabe aos moralistas, aos intelectuais, aos políticos, àqueles que exercem alguma função, fazer as críticas. Eu apenas constato.

a} Qual é o papel da política e como se faz política na pós-modernidade?

Michel Maffesoli – É uma longa questão. Remeto-os a um livro que escrevi e que foi publicado em português com o título A transfiguração do político, pela Editora Sulina. Neste livro, mostro que a política tal como se caracterizava essencialmente em termos de projeto racional não existe mais. Ao contrário disso, há um ressurgimento do emocional. As manifestações dos jovens no Brasil, em Porto Alegre, e por toda parte, como os indignados, em Madri, e outros movimentos de rebelião mostram que não se inserem mais na perspectiva política habitual e que neles há, ao contrário, uma invasão da dimensão emocional. Portanto, para mim, a política moderna não tem mais sentido. Há uma transfiguração dela, ou seja, ela assume outra forma, outra figura.


Professor da Universidade Federal do Oeste da Bahia - Ufob. Realizou doutorado em Comunicação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, na Linha de Pesquisa Cultura e Significação. Jornalista de formação, é mestre em Comunicação pela Unisinos, onde também realizou a especialização em Filosofia.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *