A eternidade do devaneio. Um encontro com Van Gogh | #002
A vida é uma causa perdida é uma série de textos que têm como tema as coisas inúteis da vida, que não por acaso tendem a ser, justamente, suas belezas
Rico Machado
Desde a tenra infância o amarelo foi minha cor predileta. Os amarelos de Van Gogh, que fui descobrir já com meus vinte e tantos anos, sempre me impressionaram e foram motivo de conexão direta. O bom de falar de Vicent Van Gogh é que ele, de alguma forma, habita nosso (in)consciente sem que se necessite qualquer resquício de erudição para conhecê-lo. Ao contrário, admirar a obra deste pós-impressionista, exige a simplicidade de quem ainda é capaz de contemplar, de ter olhos pacientes sobre as coisas mais simples e lentas da vida.
Duas coisas me motivaram a escrever esse texto: 1) a relação de Vicent e Theo Vah Gogh; e 2) recordar um vídeo do canal Quadro em Branco que assisti anos atrás, chamado Devaneios sobre representações de Van Gogh, o que foi muito tocante (como de resto são todos os vídeos produzidos pelo Otávio).
O filme No portal da eternidade, dirigido por Julian Schnabel, trouxe-me uma recordação muito doce de meu irmão, que morreu há 17 anos e que, sendo 16 anos mais velho que eu, sempre me cuidou com a mesma ternura dos irmãos Gogh. Na obra, Theo, que era um comerciante de obras de arte, bancou o sonho de seu irmão mais velho Vicent e acompanhou amorosamente sua ascensão artística e seu declínio comportamental. O longa, contudo, centra-se na biografia de Vicent Van Gogh, sempre muito ligado à simplicidade da vida, de perceber na natureza sua profunda beleza e ter um olhar contemplativo, que se repete em todo trabalho que rememora sua trajetória.
Van Gogh é rico, sobretudo, por sua forma mundana de perceber e representar o mundo. E isso é a coisa mais legal que é sublinhada no vídeo do Quadro em branco, porque o Otávio, que produz os vídeos do canal, recorda a simplicidade com que o artista é representado em diversas releituras, que vão de Irmão do Jorel a Kurosawa. É, sim, um artista e uma obra sem aura, mas por razões diferentes daquelas que descreveu Walter Benjamin, senão por um amor e compromisso contemplativo com a vida.
Aliás, contemplar é uma forma de dar eternidade ao tempo. Somos estimulados ao contrário, a produzir, tornarmo-nos eficientes, melhores, embora nunca saibamos exatamente para quê, afinal de contas, devemos ser melhores. Encontrar Van Gogh é, de alguma forma, ver o sentido profundo de nossos próprios devaneios, não dos seus. A contemplação, tão difícil nos tempos algorítmicos dos likes, é uma janela para vida em meio à eternidade dos devaneios digitais que nos cercam.